A. Há qualquer coisa de desconcertante na proliferação de apelos ao Presidente da República para intervir no caso da concessão e/ou privatização da RTP. António-Pedro Vasconcelos foi um dos primeiros a suscitar tal hipótese. Entretanto, com naturais diferenças de formulação da questão, António José Seguro e Marcelo Rebelo de Sousa também já consideraram importante a intervenção do mais alto magistrado da Nação neste processo.
B. Por um lado, não posso deixar de reiterar o meu cepticismo face a essa possível, porventura desejável, intervenção de Cavaco Silva; por outro lado, é óbvio que estas reacções de personalidades tão diversas são salutares e possuem um valor simbólico que importa sublinhar: finalmente, um significativo conjunto de vozes do espaço público vem situar a televisão, não como um mero jogo entre "cultura" e "divertimento" (dicotomia pré-histórica cuja estupidez continua a fazer estragos), mas como um facto político. Para aqueles que, há décadas, chamam a atenção para a incontornável dimensão política da televisão, esta proliferação de discursos não é uma "vitória" (conceito dispensável nesta conjuntura), mas possui algo de humildemente gratificante.
C. Que pode fazer o Presidente da República? Muito pouco, a meu ver. E não apenas porque a sua margem de manobra envolve uma avalancha de condicionalismos legais e processuais que, na prática, tendem a excluí-lo do simples debate dos problemas em questão. Sobretudo porque o poder político, transversalmente, vive há décadas a questão da televisão como um mero problema de gestão da visibilidade dos discursos da própria classe política. Discutir a televisão — em 2012, num país chamado Portugal — seria discutir uma paisagem comunicacional com mais poder formativo (e, sobretudo, deformativo) que as escolas. Inevitavelmente, discutir a televisão seria também discutir a própria lógica de pensamento e acção de uma classe política que, globalmente, se vê (e auto-representa) como fenómeno essencialmente televisivo — onde estão os políticos disponíveis para repensar o sistema discursivo em que estão inseridos?