segunda-feira, julho 09, 2012

Televisão e sociologia (de bolso...)

PICASSO
Mulher com Chapéu Verde (1947)
Por vezes, em televisão tem-se a sensação de que "actualidade" rima com "ruído" e "confusão" com "pertinência" informativa... Tempos tristes para a informação — este texto foi publicado no Diário de Notícias (6 Julho), com o título 'Arruaças e notícias'.

Quando um comentador de futebol diz que o resultado de um jogo é “aceitável”, parece querer sugerir que, se fosse “inaceitável”, seria preciso corrigir o “erro” (talvez promovendo uma invasão de campo...). Em boa verdade, está a servir de sintoma paradoxal de uma cultura do conflito pelo conflito que tem vindo a contaminar todas as áreas da expressão televisiva, incluindo as notícias.
Vivemos num país em que a presença de vinte ou trinta adeptos (?) aos gritos, à porta de um estádio, é suficiente para criar um “facto” que, pelo menos durante 24 horas, pontua os mais diversos espaços informativos. A despudorada exibição da mais obscena falta de fair-play é mesmo assumida por algumas formas de jornalismo como uma boa razão para lamentáveis generalizações: “Os adeptos do clube X manifestaram-se...”.
Recentemente, a exaltação do barulho pelo barulho passou a ser aplicada como método de análise (?) da actividade política. Podemos considerar que duas ou três dezenas de pessoas empenhadas em insultar um ministro ou o Presidente da República reflectem algum mal estar social. Sem dúvida, tanto mais que ninguém pretende iludir a gravidade da conjuntura... Ainda assim, há uma linha que separa a constatação de um evento pontual, anormalmente ruidoso, da sua transformação em caução de uma sinistra sociologia de bolso que insiste em descrever a nossa vida quotidiana como um caldeirão de bestas selvagens.
Surpreendente é a passividade com que muitos elementos da classe política (de todos os quadrantes) se submetem a semelhante violência mediática, aceitando “responder” em nome de um empolamento noticioso a que são alheios. Há nesses elementos uma demissão intelectual que lida com a televisão como se fosse um culto inquestionável. Na prática, aceitam que os conflitos inerentes ao jogo democrático só possam ser representados como uma antologia de arruaças: por um lado, reforçam na televisão uma perigosa estratégia de poder (figurativo e interpretativo) sobre todas as manifestações do tecido social; por outro, limitam as condições do seu próprio trabalho político.