Em tempo de saturação "tecnológica" dos blockbusters, não seria fácil regressar à saga do Homem-Aranha, recomeçando a sua história... pelo princípio. O certo é que O Fantástico Homem-Aranha, de Marc Webb, com Andrew Garfield, é uma boa surpresa — este texto foi publicado no Diário de Notícias (5 Julho), com o título 'Reencontro com os grandes narradores'.
Ao contrário do que pretende o jornalismo mais distraído, os milhões de dólares não bastam para compreender as singularidades de um “blockbuster”. Quanto mais não seja por mera profilaxia mental, vale a pena citar três nomes “secundários” envolvidos em O Fantástico Homem Aranha. São eles James Vanderbilt, Alvin Sargent e Steve Kloves: Vanderbilt escreveu o espantoso Zodiac (2007), de David Fincher; Sargent, o mais velho dos três (85 anos), é um narrador nato, tendo escrito filmes como Lua de Papel (1973), de Peter Bogdanovich, Julia (1977), de Fred Zinnemann, e Gente Vulgar (1980), de Robert Redford (ganhou Oscars com os dois últimos); enfim, Kloves escreveu e dirigiu essa belíssima reinvenção do melodrama clássico que é Os Fabulosos Irmãos Baker (1989).
Que fazem eles neste quarto capítulo da saga do Homem-Aranha? Pois bem, co-assinam o argumento (Sargent já trabalhara no segundo e no terceiro). E se é verdade que a concepção cinematográfica de um super-herói não se esgota em tal tarefa, não é menos verdade que a acumulação arbitrária de efeitos especiais só pode gerar o que bem conhecemos: o esgotamento de um espectáculo que se esqueceu da nobre e primitiva arte de contar histórias.
O Fantástico Homem Aranha possui o mérito básico de devolver ao herói uma dimensão humana que, não por acaso, se reflecte no elaborado trabalho de interpretação de Andrew Garfield. Afinal de contas, também ele não é uma surpresa, já que o vimos estrear-se de forma fulgurante nesse filme de génio que é Lions for Lambs/Peões em Jogo (2007), interpretado e dirigido por Robert Redford. Nada contra os “blockbusters”. Mas é na retaguarda da produção que Hollywood possui os talentos necessários para sustentar o seu aparato tecnológico.