TOLSTOI: retrato [fragmento] por Ilya Repin (1901) |
Que razões existem para que o Verão confirme e amplie, até à mais horrorosa exuberância, a mediocridade televisiva? Já não está lá ninguém para parar um pouco e... pensar? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Julho), com o título 'Imagens e sons de Verão'.
1. O Verão atrai todas as formas de mediocridade televisiva. Aliás, há quem faça televisão fingindo acreditar que uma programação de Verão só cumpre as suas funções se, por exemplo, aconselhar bronzeadores como se estivesse a redimir os pecados de todo o planeta, ao mesmo tempo que abre espaços para os mais rasteiros exemplos de música “pimba”, sempre com o sorriso apoteótico de quem está a celebrar a cultura popular. Eis um tema interessante para um debate (televisivo, por certo). A saber: porque é que, chegado o Verão, perpassa sempre nas televisões a noção (?) segundo a qual o espectador é necessariamente um animal de radiosa estupidez, aguardando, feliz, que o tratem como alguém que não pensa nem sente. Num contexto assim, imagino alguém a dizer qualquer coisa insensata como: “O Verão? Qual Verão? Leia Tolstoi...” Seria uma revolução mediática.
2. A fulanização do espaço politico conseguiu uma proeza pouco recomendável (mas triunfante no dia a dia informativo): já não há ideias ou argumentações políticas, apenas fait divers que as televisões perseguem e ampliam até à mais devastadora obscenidade. Dir-se-á que nada disso é alheio às limitações de acção e pensamento de muitos elementos da própria classe política. Infelizmente, assim é. Mas tal reconhecimento apenas agrava a sensação quotidiana de que, em muitos casos, informação televisiva e classe política vivem num mútuo e desesperado parasitismo intelectual. Como se o vazio conceptual de uma não vivesse sem o reflexo pitoresco da outra.
3. Claro que os comentadores desportivos se sentem ofendidos quando dizemos que eles já não escutam aquilo que comentam. Em boa verdade, não compreendem (ou não querem compreender) que não é a sua honestidade profissional que está a ser discutida, antes o sistema de linguagem e narrativa do seu discurso. Depois do futebol, aí está o ciclismo: são capazes de estar horas e horas a falar sobre coisa nenhuma, alheando-se do acontecimento e, claro, não escutando. Diz-me como respeitas os sons, dir-te-ei a televisão que fazes.