quinta-feira, julho 05, 2012

Discos pe(r)didos:
Dee-Lite, World Clique


Deee-Lite
“World Clique”
Elektra
(1990)

A redescoberta do psicadelismo como referência criativa entre finais dos anos 80 e inícios dos 90 não se esgotou na forma como bandas como os Stone Roses ou Inspiral Carpets reencontraram e assimilaram ecos de formas então com vinte anos de vida ou no modo como o hip hop da chamada daisy age repensou novas formas de entender velhas ideias. A noção de uma pop caleidoscópica, o prazer no tratamento de formas e cores e um certo estado de encantamento libertador (que moram entre possíveis heranças do psicadelismo) encontrou igualmente interessante expressão na música que um trio então desenhou em Nova Iorque, repensando a canção pop e a música de dança, juntando referências e mundos, desde logo a pensar num modelo de comunicação na alvorada da idade global. Pelo menos assim o deixam claro quando abrem World Clique, o álbum que editam em 1990, com a frase “From the Global Village, on the age of communication”... Chamavam-se Deee-Lite e eram logo em si como um microcosmos dessa mesma aldeia global unida pela forma como a comunicação então permitia o cruzamento e comunicação de experiências e linguagens. Ela, Lady Miss Kier (na verdade Kierin M. Kirby), era natural do Ohio. Towa Tei (de nome real Dong-hwa Chung) chegarade Tóquio, no Japão. E o músico e produtor Super DJ Dmitri (Dmitry Brill, vinha de Kiev, na Ucrânia). Tal como vestiam sob teto comum um berço multi-nacional, também a música dos Deee-Lite juntava em solo comum toda uma soma de experiências e gostos, passando do funk, de assimilações da cultura hip hop e do trabalho com corte e colagem de samples e electrónicas com uma noção primordial de atenção pela forma da canção que vincava uma prioridade que assim nunca deixava de ser coisa pop. O mundo descobriu-os ao som de Groove Is In The Heart, um verdadeiro hino ao hedonismo dançante que, fruto da revolução que a club culture havia vivdo depois da explosão house de 1987 chegara aos patamares da comunicação global e assim se fez um êxito à escala mundial. Na verdade os Deee-Lite nunca repetiram o impacte desse single de estreia, havendo por isso motivos que expliquem porque muitas vezes há quem os arrume na categoria dos one hit wonders. A classificação peca contudo por focar apenas os feitos de mercado, esquecendo quão marcante e visionário (e até mesmo comercialmente bem sucedido) foi o álbum World Clique onde Groove Is In The Heart está longe de ser um oásis entre acontecimentos secundários. Pelo contrário, o alinhamento é de impressionante solidez, revelando temas como What is Love? (que expressa pelas electrónicas um sentido hipnótico e narcotizado herdado do psicadelismo), Good Beat (perfeita assimilação de uma matriz house na alma de uma canção pop) ou Smile On (cruzamento de funk e hip hop sob alma jazzy), entre uma mão cheia de outros instantes que, juntos, criam uma visão cool e festiva que assim acolhia a chegada de uma nova década. O álbum junta entre os colaboradores nomes míticos como os de Bootsy Collins ou Maceo Parker... Deu forma e cor à música. E por alguns meses o mundo soou assim. Uma lógica errada de desinspirada continuidade sem sobressaltos fez do medíocre sucessor Infinity Within um passo em falso... O florescimento da cultura jazz hip hop e a descoberta do rock alternativo pela MTV desviaram ainda mais as atenções. E o que parecia um oráculo das coisas que aí vinham acabou como banda sonora progressivamente esquecida do verão de 1990. Contudo, 22 anos depois, o reencontrar algumas destas canções pode trazer boas surpresas, reavivando memórias ou permitindo descobertas. World Clique foi um dos melhores discos dos inícios dos noventas e merece ser mais que um “disco pe(r)dido)”...

E depois do disco
Os Deee-Lite editaram ainda dois outros álbuns de originais, o terceiro praticamente não contando já com a presença de Towa Tei, que entretanto encetara uma carreira a solo. Dos outros dois músicos pouco mais se ouviu falar...