sábado, julho 07, 2012
Beatles e Stones... há 50 anos (2)
Continuamos a publicação de um artigo originalmente apresentado no suplemento Q., do DN, a 19 de maio de 2012 com o título ‘O ano em que o mundo ouviu os Beatles e viu nascer os Stones’. Em 1962 os Beatles lançavam ‘Love Me Do’, o seu primeiro single. No mesmo ano, depois de um primeiro ensaio, os Rolling Stones estreavam-se num pequeno palco em Londres. 50 anos depois esses dois momentos moram na mitologia da música popular.
A canção dos Beatles que deu origem ao segundo single (e o primeiro grande êxito) dos Rolling Stones é apenas um entre os vários episódios em que as carreiras dos dois grupos se cruzaram. “Nós tivemos sucesso e depois vieram os Rolling Stones a fazer as coisas de uma forma um tanto mais radical que nós. Eles tinham os cabelos mais compridos e eram mais insultuosos em palco, coisa que tínhamos deixado de fazer”, conta John Lennon em Anthology (14). No mesmo livro George Harrison (15) acrescenta que a ideia de serem bandas rivais “foi coisa inventada pela imprensa”. O próprio McCartney reconhece que era “natural” que os tomassem como rivais, mas conta que,” na verdade foi George [Harrison] quem lhes conseguiu o contrato com a editora” já em 1963. O guitarrista, explica McCartney,estava numa festa com Dick Rowe, o executivo discográfico que se tornara famoso por ter recusado os Beatles na Decca. “Foi num grande Showcase na Liverpool Philharmonic Hall. Os Beatles tinham-se tornado famoso e os Gerry [and the Pacemakers] e mais outros tinham alcançado o sucesso e toda a gente andava à procura em Liverpool. (…) Lembro-me de encontrar executivos de Londres, um dos quais devia ser o o Dick Rowe. Ele disse: 'dizem-nos quais são as bandas que acham que são boas?' E eu respondi: não sei nada disso, mas acho que deviam ficar com os Rolling Stones”, conta George (16). E ficaram!
Já se conheciam a algum tempo. E já se tinham “visitado” em atuações ao vivo. Bill Wyman (17) conta, num livro de entrevistas a Jools Holland e Dora Lowenstein o primeiro encontro, a 14 de abril de 1963. Os Beatles eram já populares em Inglaterra há já alguns meses e estavam a atuar no Thank You Lucky Stars, em Shepperton. Os Rolling Stones apresentavam-se então no Crawdaddy Club, em Richmond. “Todos estavam em festa e ali estavam aquelas quatro silhuetas (...) à nossa frente. Falámos no intervalo e fizemos amizade. Eles ficaram até ao fim e regressámos com eles para um apartamento em Chelasea. Passaram a noite connosco a tocar e a falar sobre música, (18).
Em Anthology George Harrisson descreve que a música que então ouviam nas atuações dos Rolling Stones teriam afinidades com as que os Beatles tinham feito antes de terem despido os fatos de cabedal “para tentar chegar aos discos e às televisões. Tínham-se acalmado, diz. (19). Por sua vez, Ringo recorda a ocasião em que esteve “numa qualquer sala com gente suada a vê-los no palco”. Cita em concreto as presenças de Keith Richards e Brian Jones (20). Descreve os músicos como sendo “incríveis”, afirmando que “tinham presença”. E muito ao jeito do seu humor, acrescenta: “é claro que o sabíamos ver, afinal estávamos nisto há umas cinco semanas!”(21).
Faz também parte da mitologia dos dois grupos o encanto que os casacos de camurça dos Beatles exerceram sobre Mick Jagger. E McCartney conta que o vocalista dos Stones “conta a história” de os ter visto com esses casacos, que haviam trazido de Hamburgo. Casacos que ninguém então conseguia encontrar em lojas inglesas. Ao que o vocalista terá pensado: “isso – quero estar na música. Quero aqueles casacos” (22).
Ficaram “bons amigos”, como confessa John Lennon (23). E apesar das carreiras de ambos seguirem em paralelo, tinham entre si um acordo tácito quanto às agendas de lançamentos dos seus discos, evitando os Beatles editar ao mesmo tempo que os Rolling Stones e vice versa.
É Lennon que conta ainda que os Beatles estiveram mais próximos dos Rolling Stones em dois períodos separados: “O primeiro foi inicialmente, quando eles estavam ainda a tocar em clubes e o segundo quando já éramos ambos populares e havia uma cena de discotecas em Londres. Éramos os reis da selva e estávamos muito próximos deles. Não sei como era com os outros, mas eu passei muito tempo com o Brian e o Mick e admirava-os”, confessa (24).
A admiração e a amizade eram recíprocas. Mick Jagger e Keith Richards estiveram entre a multidão que assistiu ao histórico concerto dos Beatles no Shea Stadium, em Nova Iorque, a 15 de agosto de 1965. Em junho de 1967 Jagger e Marianne Faithfull (25) cantam entre o coro que acompanha All You Need Is Love, dos Beatles, numa transmissão televisiva para mais de 400 milhões de espectadores espalhados por todo o mundo. Por sua vez, Lennon e McCartney cantam, por essa mesma altura, em We Love You, um single dos Rolling Stones. E no final do mesmo Verão Jagger e Marianne juntam-se aos Beatles no seu retiro em Bangor, onde ouvem falar sobre meditação transcendental pelo guru Maharishi Mahseh Yogi. Em 1968 McCartney apresenta Hey Jude (que se tornará num dos maiores êxitos dos Beatles) numa sessão de audição do álbum Beggars Banquet, dos Rolling Stones e, no mesmo ano, John Lennon e Yoko Ono surgem como convidados no especial The Rolling Stones Rock'n'Roll Circus [na imagem que abre o post]. Em 1970, o ano em que os Beatles anunciam a sua separação, um solo de safoxone de Brian Jones (que morrera em julho de 1969) ouve-se em You Know My Name (Look Up the Number), o lado B do single Let It Be.
14 – in Anthology, pág 101
15 – George Harrison (1943-2001) Guitarrista, vocalista e autor de algumas canções dos Beatles. Estreou-se a solo em 1968. Há poucos dias foi lançada a antologia Early Takes: Volume 1.
16 - in Anthology, pág 101
17 – Bill Wyman (n. 1936) Baixista dos Rolling Stones entre 1962 e 1992.
18 – in The Rolling Stones – A life On the Road, Jools Holland e Dora Lowenstein, pág 21
19 – in Anthology, pág 101
20 – Brian Jones (1942-1969) Guitarrista e um dos fundadores dos Rolling Stones. Foi o grande responsável pelo alargar de horizontes da música do grupo, sobretudo entre 1965 e 67. Foi encontrado morto um mês depois de ser afastado dos Rolling Stones.
21 - in Anthology, pág 101
22 – ibidem
23 – ibidem
24 – ibidem
25 – Marianne Faithfull (n. 1946) Viveu um romance com Mick Jagger na segunda metade dos anos 60. Em 1964 estreou-se nos discos cantando As Tears Go By, canção assinada por Mick Jagger e Keith Richards.