sábado, julho 28, 2012

Abertura dos Jogos Olímpicos — a rotina

* A cerimónia de abertura dos Jogos da XXX Olimpíada, com direcção de Danny Boyle, foi aquilo que talvez não pudesse deixar de ser: um exercício de rotina(s), dominado pela preocupação de garantir um "didactismo" festivo que, hoje em dia, é apanágio da maior parte dos eventos televisivos mais ou menos "espectaculares". Chegámos, de facto, a um ponto em que a instalação de algumas chaminés num relvado e umas centenas de figurantes de rosto mascarrado é suficiente para os comentadores de todo o planeta (literalmente...) se porem a gritar, entusiasmados, que se está a evocar a Revolução Industrial!

* O que choca não é a futilidade. Em boa verdade, já não há aqui nenhum gosto pelo fútil nem nenhuma noção de glamour, essa arte suprema de transformar o fútil em promessa de transcendência. Aqui tudo é suposto "significar" alguma coisa, alimentar o ritual público das "boas consciências", encharcar-nos de mensagens "positivas" e, claro, colocar-nos do lado do Bem.

* Não simplifiquemos, claro. O ideal olímpico é um dos poucos discursos em que ainda nos podemos reconhecer sem pesadas lamentações, reconhecendo, implicitamente, a diferença do outro e o seu inalienável direito a vivê-la. O que está em causa é esta pompa alicerçada numa tecnologia inegavelmente impressionante (e de gastos pouco consentâneos com o discurso corrente da "austeridade"), mas já sem programa ideológico consistente ou pensamento simbólico estruturado para gerir os respectivos poderes.
* Por momentos, no sketch da Rainha Isabel II com 'James Bond', aliás Daniel Craig, pressentiu-se o que seria uma linguagem inventiva, nem que fosse pelo gosto da ironia. O certo é que não é possível conciliar o burlesco da ficção, lançando Sua Majestade de helicóptero, com a gravidade fria, quase indiferente, da personagem real a entrar em cena — e não vale a pena alimentar a demagogia da transparência ou da proximidade: a Rainha está sempre melhor na distância inerente ao seu papel institucional e à sua função simbólica.

* Que sobrou, então? Como entender aquela homenagem (?) ao cinema britânico em que, com a velocidade estúpida de muita "comunicação" contemporânea, quase nada era realmente perceptível. Quando, numa fracção de segundo, apareceram os rostos românticos de David Niven e Kim Hunter em A Matter of Life and Death/Um Caso de Vida ou de Morte (1946), de Michael Powell e Emeric Pressburger, quantos puderam identificar essa obra-prima? Aliás, a questão é outra: a quantos foi dado tempo e instrumentos cognitivos para fruir a imagem para além da sua condição de sobressalto gráfico irremediavelmente vazio e inconsistente?

* Em boa verdade, o único momento realmente conseguido foi o sketch de Rowan Atkinson, com a orquestra dirigida pelo maestro Simon Rattle (notável também na sua cumplicidade com o actor). Nas teclas, sonolento e egoísta à maneira do seu inconfundível 'Mr. Bean', ele surgiu a "interpretar" o tema do filme Chariots of Fire (1981), composto por Vangelis, celebrando um sentido realmente olímpico de entender a comunicação global — por reveladora ironia, em tempos de tanto gigantismo anódino, o génio de Atkinson cabe no minimalismo pueril do YouTube.