FOTO Bruce Weber (Vanity Fair) |
A passagem de Robert Pattinson por Portugal deixou um insólito e deprimente saldo televisivo. Como se as televisões fossem filmar apenas um cliché antecipadamente escolhido — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 Junho).
A presença em Portugal do actor inglês Robert Pattinson deixa um insólito saldo televisivo. Em boa verdade, não se trata de uma questão meramente portuguesa (nem terei visto todas as peças televisivas que a sua visita suscitou): o que está em jogo é o modo global de tratamento das estrelas de cinema. Nesta perspectiva, o folhetim “Pattinson em Portugal” não passa de uma derivação pontual de um fenómeno mediático que pudemos observar também em França, a propósito da sua passagem pelo Festival de Cannes.
Em Cannes como em Lisboa, Pattinson estava presente por causa do filme Cosmopolis, de David Cronenberg. Não quero confundir a minha perspectiva (entusiástica) sobre o filme com uma espécie de “obrigação” para a informação televisiva. Em todo o caso, e para aplicar uma terminologia grata a essa informação, o mínimo que se pode dizer sobre Cosmopolis é que se trata de um objecto de evidente “actualidade” (sobre a crise financeira global) e também de inquestionável poder “polémico” (dividindo, e muito, os seus espectadores).
Daí a pergunta: porque é que muitos retratos televisivos de Pattinson excluem automaticamente a perturbante complexidade do filme de Cronenberg, optando antes por inventariar os gritos mais ou menos histéricos de algumas fãs do actor?
Não me interpretem mal. Defendo os direitos das fãs aos seus gritos mais ou menos pueris, tanto quanto defendo o meu empenho em pensar a televisão que se faz (e também a que se podia fazer). A questão de fundo é de outra natureza. E tem a ver com uma conjuntura bem expressa nas opções dominantes das grelhas dos canais generalistas. A saber: o cinema é quase sempre tratado como uma curiosidade pitoresca ou, o que vem a dar no mesmo, uma matéria de madrugadas esquecidas.
Resultado prático: o actor surge automaticamente (e este automatismo é terrível) formatado como um símbolo oco de gritos que não são dele. Além de se escamotear o génio de Cronenberg, não posso deixar de lamentar a ocultação do imenso talento de Pattinson. Gosto dos actores e da sua inteligência – e digo-o muito baixinho, para não ofender ninguém.