sábado, junho 16, 2012

Tele-psicanálise e tele-futebol

PAUL KLEE: Abraço (1939)
Em televisão, a comunicação é um valor. O certo é que, não poucas vezes, esse valor surge posto em causa pela ilusão da "velocidade" informativa ou pela transformação dos factos em "destino" — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 Junho), com o título 'Psicanálise e futebol'.

1. Se há ilusão comunicacional que tomou conta de quase todos os domínios televisivos é a da eficácia “automática” da velocidade: quanto mais veloz (e, sobretudo, mais breve) for o que se diz ou mostra, mais e melhor informação passa para o outro lado... “Responda-me sim ou não”, eis a imagem de marca do jornalismo cego para a pluralidade do mundo. É uma ilusão que tende a transformar-se num insulto à inteligência de todos os envolvidos, desde os que aparecem no ecrã até aos espectadores. Na última edição de Câmara Clara (RTP2), o psicanalista António Coimbra de Matos, entrevistado por Paula Moura Pinheiro, deixou um magnífico contra-exemplo. Por um lado, enunciou várias e fascinantes pistas para percebermos que o imenso legado de Sigmund Freud está longe de se reduzir a meia dúzia de “técnicas” purificadoras para exibir em talk-shows de manhãs ou tardes televisivas; por outro lado, o seu discurso chamou a atenção para a necessidade de aceitarmos a lentidão do tempo e das relações, isto é, a “organização da capacidade de espera”. Em vez da arrogância ideológica dos que se julgam vocacionados para reordenar o mundo (como na “justiça” ou “injustiça” dos resultados do futebol), Coimbra de Matos celebrou o mais radical: a disponibilidade para “tentar compreender melhor”.

2. Há dias, David Borges (SIC Notícias), teve o cuidado de recolocar a questão fulcral das responsabilidades públicas dos protagonistas do mundo do futebol. É uma das excepções. Mas a regra confunde-se com a pornografia nacionalista: há muito tempo que não se via (nem ouvia) nada parecido com a histeria “patriótico-televisiva” do Euro2012. Para além de algumas revelações transcendentais (“vai ser muito difícil” é, por certo, a mais genial), vozes avisadas têm-nos informado de um lamentável fenómeno: imaginem que as equipas adversárias estão a adoptar estratégias que têm como objectivo principal impedir que os jogadores portugueses marquem golos... Será que esses estrangeiros irresponsáveis não sabem que temos a melhor equipa do mundo?!