sexta-feira, junho 15, 2012

Reedições:
José Afonso, Eu Vou Ser Como a Toupeira


José Afonso
“Eu Vou Ser Como a Toupeira”
Orfeu
5 / 5

Constitui um dos acontecimentos discográficos do ano musical português a campanha de reedições da obra que José Afonso registou pela Orfeu, os discos não só apresentando o som remasterizado e as capas restituídas à verdade das suas expressões originais em vinil, cada título trazendo de novo textos que somam as histórias da sua criação (assinados pelo Gonçalo Frota) a impressões de quem neles encontrou episódios marcantes (neste caso concreto, Tiago Sousa). Deviam ser sempre assim as reedições. Entre o segundo lote de títulos lançados surgem os três primeiros álbuns que José Afonso lançou em inícios dos anos 70, entre os quais o clássico Cantigas do Maio (de 1971), muitas vezes apontado como o seu disco maior. É-o, sem dúvida. Mas não o único a morar nesse patamar de invulgar excelência que faz da sua obra uma das mais influentes e marcantes da história da música portuguesa. E logo no ano seguinte, em 1972, com outros parceiros de trabalho e noutra cidade, ganhou forma um outro título igualmente fundamental no mapa da sua obra. A ficha técnica de Eu Vou Ser Como a Toupeira não nos conta muito, diluindo o trabalho dos nomes envolvidos – entre os quais José Niza, Carlos Alberto Moniz, José Jorge Letria, o galego Benedicto ou Teresa Silva Carvalho, entre outros mais – num esforço coletivo que diz muito do pensar de quem o fez. O disco reflete ecos diretos das experiências de busca de outra linguagem em estúdio trabalhada um ano antes no Chateau d’Herouville, com José Mário Branco, que se materializara em Cantigas do Maio, porém sob uma contenção mais minimalista (não confundir com austera) nos elementos convocados aos arranjos. Sem evitar a presença de genéticas da música popular, o disco aprofunda a exploração de uma música moderna, diferente, aparentemente simples, mas na verdade plena de discretos pequenos acontecimentos que integram vozes, ruídos, ocasionais soluções criadas em estúdio, que se arrumam no corpo de canções onde a voz conduz os acontecimentos. O alinhamento integra pérolas maiores da sua obra como Fui À Beira do Mar, o Avô Cavernoso (que os Mão Morta reinventariam anos mais tarde em versão inesquecível), o marcante A Morte Saiu à Rua e o espantosamente simples Por Trás Daquela Janela, que fecha o alinhamento. Toupeira, porque escavando ia fazendo o seu percurso. Tanto através dos subterrâneos onde tinha de iludir e “fintar” a censura. Como nos caminhos da invenção de uma modernidade na música portuguesa que, com o tempo, lhe seria em reconhecida. 40 anos depois, reencontre-se um disco que merece ser também rotulado como “obra prima”, não apenas entre a obra de José Afonso, como no panorama da música popular portuguesa. Porque é, de facto, um dos melhores discos alguma vez criados entre nós.