1. Qual tem sido a norma do nosso futebol de selecções? Em boa verdade, desde os tempos de Luiz Felipe Scolari, é fácil defini-la: a norma tem sido perder — a equipa tem falhado em todos os momentos cruciais e, tendo em conta os jogos mais recentes, está a jogar muito mal.
2. Daí que a mais básica sensatez nos aconselhe a esperar que a campanha do Euro2012 se venha a saldar também pelo mais normal. A saber: uma saída de cena ao fim dos três jogos da fase de grupos, para mais tendo em conta que entre os adversários estão equipas incomparavelmente mais consistentes como a poderosa Alemanha e a hiper-criativa Holanda.
3. Não tenho especial gosto em que isso aconteça (além do mais, há na selecção uma boa meia dúzia de jogadores realmente talentosos), nem estas notas envolvem qualquer tentativa profética. Dito de outro modo: mesmo que Portugal venha a ser campeão da Europa, o que está a acontecer em termos mediáticos em torno da selecção é qualquer coisa que, desde as recepções oficiais até às paradas de rua, passando pela adoração beata de muitas reportagens televisivas, decorre de um aterrador provincianismo cultural.
4. Que é, então, o provincianismo? Será que tem a ver com o facto de Cristiano Ronaldo tratar o Presidente da República por... "você"? Não exactamente (embora seja inevitável lembrar que a histeria televisiva em que vivemos já teria queimado na praça pública qualquer outro cidadão que, numa cerimónia com o mais alto magistrado da nação, tivesse adoptado semelhante liberdade protocolar). O provincianismo enraíza-se numa visão pitoresca e demagógica dos jogadores de futebol, reduzidos a proprietários de carros de luxo que não se cansam de nos dizer coisas de devastadora transcendência, como garantir que é preciso "trabalhar muito" e o "mister" é que sabe...
5. Seja como for, não tenhamos ilusões. Independentemente dos resultados da selecção no Euro 2012, vem aí uma enorme ressaca mediática, um tsunami de asfixiantes lugares-comuns: se a selecção tiver êxito, os arautos do nacionalismo mais grosseiro vão devorar o espaço mediático; se, como é normal, a equipa ficar pelo caminho ao fim de três jogos, preparemo-nos para a proclamação do apocalipse identitário, por certo sustentado numa pouco católica redistribuição de "culpas".