quinta-feira, junho 21, 2012

Paramount, o primeiro século (2/2)

Evolução do logo da Paramount (in The Graphic Mac)
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Os 100 anos da Paramount remetem-nos para uma história, material e mitológica, em que o glamour de Hollywood se cruza com o advento da televisão e a nova idade da comunicação audiovisual. Aqui se evocam alguns títulos emblemáticos na evolução do estúdio — este texto foi publicado no Diário de Notícias (16 Junho), com o título 'Gangsters, "aliens" e histórias da Bíblia'.

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Cecil B. DeMille terá sido um dos que mais e melhor soube cultivar os valores desse património, sendo a sua primeira versão (muda) de Os Dez Mandamentos (1923) um modelo exemplar. É bem certo que, na altura, um cineasta como David W. Griffith tinha já definido as bases práticas e conceptuais da grandiosidade do entertainment: O Nascimento de uma Nação e Intolerância surgiram, sucessivamente, em 1915 e 1916. Seja como for, DeMille soube integrar os temas bíblicos como um subtexto mitológico, não apenas para uma interpretação sagrada da existência humana, mas também como uma espécie de caução abstracta para a dimensão de ritual colectivo do próprio acto de assistir a um filme.
Quando, mais tarde, em 1956, apresentou a sua versão sonora de Os Dez Mandamentos (com Charlton Heston no papel de Moisés), DeMille resumiu assim a lógica da sua ambição: “O que eu espero com esta nossa produção (...) é que quem a vir não se sentirá apenas envolvido pelo fulgor de um grande espectáculo, mas também tocado pelo espírito da verdade” (do discurso na estreia em Nova Iorque, a 8 de Novembro de 1956).
Curiosamente, e um pouco ao contrário de outros estúdios clássicos de Hollywood (recorde-se o exemplo dos musicais, emblema da MGM), a Paramount distinguiu-se quase sempre por uma enorme variedade estilística. Com alguma ironia, podemos considerar que referências como Os Dez Mandamentos e O Padrinho decorrem de uma produção que sempre valorizou a diversidade, desde a dimensão “espiritual” do primeiro exemplo até à crueza “realista” do segundo.
Apetece dizer que só falta evocar os “desvios” para os domínios mais ou menos fantasistas, se possível fazendo apelo à estranheza dos “aliens”. Foi o que aconteceu com a primeira adaptação de A Guerra dos Mundos (1953), o romance de H. G. Wells que viria também a seduzir Steven Spielberg (a sua versão, com Tom Cruise, tem data de 2005).
Para além da inspiração do livro de Wells, a produção de A Guerra dos Mundos é indissociável da conjuntura da Guerra Fria e da apetência por ficções mais ou menos conduzidas pela paranóia do fim do mundo. E se é verdade que tal contexto pode ter potenciado o impacto do filme, não é menos verdade que a sua eficácia espectacular nasce de um elaborado sistema de efeitos especiais, tendentes a sugerir o terror de uma ameaça que já não se pode medir por padrões humanos.
O realizador Byron Haskin tinha uma formação ligada, precisamente, ao departamento de efeitos especiais da Warner Bros., mantendo uma colaboração regular com o produtor/realizador George Pal (que viria a produzir A Guerra dos Mundos). Ironicamente, na altura, o efeito mais na moda (ontem como hoje...) era o 3D que, em todo o caso, foi abandonado devido aos custos que implicava. O impacto do filme, mesmo com tudo o que de datado possui, persiste através da sua capacidade de desafiar a própria verosimilhança humana, sem por em causa a indispensável crença no espectáculo.
Nesta perspectiva, pode dizer-se que A Guerra dos Mundos materializa um espírito de série B que, ironicamente, a Paramount viria a retomar em produções de dimensão incomparavelmente maior (por exemplo: a saga de “Indiana Jones”, concebida por George Lucas e Steven Spielberg). Talvez se possa mesmo detectar aí um sintoma de vitalidade que prevaleceu para além de todas as crises do estúdio, em particular, e de Hollywood, em geral. Como se a pompa que reconhecemos à grandiosidade do cinema made in USA fosse, nos seus melhores momentos, indissociável de uma lógica subtilmente artesanal.
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* FRANCIS FORD COPPOLA [foto] – O Padrinho (1972) e Apocalypse Now (1979) transformaram-no numa figura lendária da história moderna do cinema. Ao realizar Do Fundo do Coração (1982), o colapso financeiro ameaçou a sua carreira, embora nunca tenha deixado de filmar. Em anos recentes, tem trabalhado sobretudo com pequenos orçamentos: Tetro (2009) é o seu último filme estreado em Portugal.

* PETER BISKIND – Antigo editor executivo da edição americana da revista Premiere, escreveu vários livros sobre a história de Hollywood, incluindo The Godfather Companion (1990), dedicado à produção do filme de Coppola, Easy Riders, Raging Bulls (1998), centrado na emergência dos “movie brats”, e Star (2010), uma biografia de Warren Beatty.

* CECIL B. DeMILLE (1881-1959) – É um dos nomes míticos dos primórdios de Hollywood que fez, com sucesso, a transição do mudo para o sonoro, mantendo-se fiel aos conceitos épicos de espectáculo. Entre os seus títulos mais célebres, para além das duas versões de Os Dez Mandamentos, incluem-se Cleópatra (1934), Sansão e Dalila (1949) e O Maior Espectáculo do Mundo (1952).

* BYRON HASKIN (1899-1984) – Começou por ser um técnico de efeitos especiais em sentido lato, trabalhando em todos os géneros de filmes (aventura, comédia, melodrama, etc.). Entre os seus títulos mais importantes como realizador, incluem-se O Tesouro e os Piratas (1950) e A Última Cilada (1952).

* GEORGE PAL (1908-1980) – De origem húngara, foi um versátil produtor/realizador que explorou, em especial, as variantes do cinema de aventuras, por vezes com incursões no género de terror. Produziu Quando os Mundos Chocam (1951), de Rudolph Maté. Realizou, a partir de H. G. Wells, A Máquina do Tempo (1960), com Rod Taylor.