segunda-feira, junho 18, 2012

Novas edições:
Patti Smith, Banga


Patti Smith 
“Banga” 
Columbia / Sony Music
5 / 5

Este texto é uma versão editada de ‘Quando um disco é retrato do mundo ao nosso redor’, publicado na edição de 15 de junho do DN.


O “mapa” das ideias que fazem o alinhamento do novo disco de Patti Smith nasceu em 2009 a bordo de um navio do qual muitos ouviriam falar três anos depois. Não por ter sido ali que Jean-Luc Godard rodou o seu Film Socialisme. Mas porque o acidente do Costa Concordia representou o primeiro grande “caso” mediático de 2012. Longe de imaginar tal protagonismo que o navio teria, Patti Smith usou os dez dias que viveu a bordo para, na companhia de Lenny Kaye, arrumar ideias. E aproveitou o momento e a tranquilidade daqueles dias no mar para compor Seneca, balada que dedica ao seu afilhado, Seneca Sebring. Um menino que, assim, ganhou lugar entre as figuras (e sonhos) que fazem as histórias de Banga, o álbum que Patti Smith agora edita. O pequeno Seneca não é a única figura do mundo de Patti Smith que a cantora e poeta norte- americana leva às canções de Banga, um dos mais pessoais dos seus discos. De resto, grande parte do alinhamento é feito de canções que nascem da presença de pessoas que lhe são (ou foram) próximas ou de vultos que a inspiraram e admira.
De uma digressão na Rússia surgiram as experiências que agora projeta em Tarkovski, canção que surge depois de ter visitado os lugares onde o realizador Andrei Tarkovski rodou algumas cenas (e traduzindo sobretudo uma ideia de resposta ao filme A Infância de Ivan, a sua primeira longa-metragem, de 1962). Em Moscovo, Patti Smith visitou as campas dos escritores Nikolai Gogol e Mikhail Bulgakov (este segundo descobrira em 2008 e então lera avidamente). Agora ambos surgem como inspiração direta de, respetivamente, April Fool e Banga, a canção que dá título ao álbum. Entre as canções do novo disco surge ainda uma dedicatória à atriz Maria Schneider, que conheceu em 1976 quando estava na estrada a tocar as canções de Horses. Maria, a canção que aqui lhe dedica – e na qual toca guitarra Jacskon Smith, o filho de Patti e de Fred “Sonic” Smith –, traduz um clima suave que, explica a cantora no livro que acompanha a edição especial do CD, “evoca as deambulações da rapariga sem nome no deserto” que a atriz retratou em Profissão: Repórter, filme de 1975 de Michaelangelo Antonioni. Uma outra dedicatória, This Is The Girl, lembra a figura de AmyWinehouse e Fuji-San revela uma “prece” pelo povo japonês na sequência do sismo em Tohoku em março de 2011.
Durante anos chamámos-lhe a “madrinha” do punk. Mas a ideia parece cada vez mais redutora perante a enormidade da obra que, ano após ano, Patti Smith tem vindo a registar. A sua discografia há muito que a fez uma das figuras mais influentes na história do rock. E Apenas Miúdos, o livro de memórias, alertou mais atenções para um relacionamento com as palavras e o contar de histórias que Banga retoma e aprofunda mantendo-se musicalmente numa certa zona de conforto no qual Patti Smith tem definido os mais recentes episódios da sua obra. O disco é um retrato do seu mundo e dos que a fazem sonhar. Sonhos que, uma vez mais, tão bem sabe partilhar.