domingo, junho 10, 2012

Nos 30 anos de David Sylvian (3)

Assinalam-se este ano os 30 anos sobre o início da carreira a solo de David Sylvian. Esta é parte de um texto que foi publicado a 10 de março de 2012 no suplemento Q., do DN, com o título 'Ao afastar-se de tudo David Sylvian encontrou uma voz'.

Com Tin Drum, os Japan atingiram em 1981 o que Sylvian descreveu como “um pico possível”. E chegou a revelar: “se o relacionamento humano interno entre os elementos do grupo tivesse sido mais forte e compatível, talvez tivéssemos conseguido fazer algo mais. É difícil dizer, mas creio que não tomámos a decisão errada. Eu, pelo menos, nunca me arrependi da decisão de ter colocado um ponto final (22).” E quando em 1983 David Sylvian gravava, com Ryuichi Sakamoto, uma canção para a banda sonora do filme Feliz Natal Mr Lawrence, de Nagisa Oshima (23), os Japan eram já um episódio do seu passado com ponto final definitivo. Definitivo, apesar das duas edições póstumas oficiais (24) e da multidão de singles e compilações que a editora que os representara entre 1978 e 1980 colocaria depois do êxito alcançado por Ghosts, num processo que Sylvian descreveu como “ muito incómodo”.

Afastando-se, procurou-se então a si mesmo, encontrando importantes estímulos entre os livros e, mais tarde, refletindo sobre a espiritualidade. “Como vivia bastante isolado encontrava a companhia de outros artistas na forma das suas obras. Creio que foi por isso que fiz muitas referencias a essas obras no meu próprio trabalho, como se esses autores fizessem parte de uma comunidade imaginária, porque não tinha uma real comunidade física de artistas com quem me pudesse relacionar regularmente. Autores como Jean Cocteau, Milan Kundera... Partilhava com eles algo no campo espiritual, uma espécie de empatia que procurava transcrever ou adaptar ao meu próprio trabalho. À medida que fui envelhecendo essas ligações tornaram-se cada vez menos importantes, embora ainda hoje a literatura seja um dos meus maiores prazeres (25).” Dessa relação próxima com os livros nasceram títulos como Forbidden Colours (na origem um romance de Mishima), o citar de The Difficulty Of Being de Cocteau na letra de Red Guitar (26) ou o percorrer de espaços de Siddharta, de Thomas Man , em River Man (27).

'Words With The Shaman' (1985)
O aprofundar da busca de uma nova voz passou depois pela criação de música para acompanhar as imagens do filme Steel Cathedrals (28) e pela experiência coletiva que chamou nomes como Holger Czukay (29) ou Jon Hassell (30) ao EP Words With The Shaman (em 1985). Seguiu-se em 1986 Gone To Earth, um disco que contava com o guitarrista Robert Fripp (31) como um dos principais colaboradores, apresentando ideias diferentes em dois LPs distintos, um feito de canções, outro de composições instrumentais. E procurando o silêncio (e o que se escutava nas suas periferias), encerra em 1987 uma primeira etapa da sua discografia a solo com Secrets Of The Beehive, um dos títulos mais marcantes da sua obra. “Secrets of The Beehive é um álbum sobre o espaço entre a melodia e a voz. Ou, como David o poderia ter dito, ‘entre a escuridão e as sombras da luz’(32)”, descreveu Martin Power. Entre as canções que mostra neste disco essa procura do silêncio ganha contornos visíveis (basta escutar Orpheus para o reconhecer). “Foi uma ideia que aprendi a ouvir música étnica japonesa. O silêncio que se ouve entre cada nota tocada. Depois de ter descoberto essa noção, tentei adaptá-la à minha música. Tentei traçar paralelos e empenhei-me na tentativa de despir do som tudo o que é supérfluo (33)”. E foi bem sucedido, convenhamos.

(22) in ‘O Desejado’, entrevista a David Sylvian publicada no suplemento DNmais a 27 março de 1999
(23) ‘Forbidden Colours’ foi editado como single em 1983 e representa um dos maiores êxitos de vendas da carreira a solo de Sylvian. A canção surge na banda sonora do filme e, numa versão alternativa, numa das edições em CD do álbum 'Secrets of the Beehive'. A canção toma por título um romance de Mishima de 1953
(24) ‘Oil On Canvas’, disco ao vivo lançado em 1983 e ‘Exorcising Ghosts’, antologia editada em 1984
(25) in ‘Um Lento Olhar’, entrevista a David Sylvian publicada no suplemento DNmais a 28 de outubro de 2000
(26) Tema do álbum ‘Brilliant Trees’ editado como single em 1984
(27) Canção do álbum ‘Gone To Earth’, de 1986
(28) Steel Cathedrals – Filme experimental com conceção de Sylvian e realização de Yasuyuki Yamaguchi, rodado nos arredores de Tóquio, _editado em vídeo em 1985 pela Virgin. _Continha banda sonora original de Sylvian na qual se revelam as suas primeiras incursões pela música improvisada
(29) Holger Czukay (n. 1938) – músico alemão que ganhou visibilidade ao integrar os Can, nos anos 70. Gravou com David Sylvian os álbuns instrumentais (nascidos de trabalhos de improvisação) ‘Plight + Premonition’ (1988) e ‘Flux + Mutability’ (1989) e colaborou nos discos ‘Brilliant Trees’ e ‘Words With The Shaman’
(30) Jon Hassell (n. 1937) – compositor e trompetista norte-americano sobretudo conhecido pelo desenvolvimento do conceito de ‘quarto mundo’ na música. Colaborou com Sylvian nos discos ‘Brilliant Trees’ e ‘Words With The Shaman’
(31) Robert Fripp (n. 1942) – guitarrista norte-_-americano, integrou os King Krimson e assinou trabalhos marcantes com Brian Eno nos anos 70. Colaborou com David Sylvian em ‘Steel Cathedrals’, ‘Gone To Earth’ e ‘Approaching Silence’ (1999) e coassinou com o músico ‘The First Day’ (1993), ‘Darshan’ (1994) e 'Damage' (1994)
(32) in ‘The Last Romantic’, de Martin Power (Omnibus Press, 1998), pág. 127
(33) in ‘O Desejado’, entrevista a David Sylvian publicada no suplemento DNmais a 27 março de 1999