Humberto Coelho (FOTO: António M. Coelho / DN) |
A. Leio as reacções de Humberto Coelho, vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol (A Bola + Público + Diário de Notícias), a declarações de Carlos Queiroz e Manuel José sobre o ambiente mais ou menos "festivo" e "promocional" que rodeou a preparação da selecção para o Euro2012. São palavras que me interessam por uma razão, antes do mais, conjuntural: creio que é importante discutirmos as incidências mediáticas e simbólicas da presença da equipa nesta prova europeia. Além do mais (questão subjectiva, naturalmente), considero que, nos últimos vinte anos, Humberto Coelho foi o melhor seleccionador nacional de futebol (no período 1997-2000, tendo levado Portugal às meias-finais do Euro2000).
B. Compreendo a posição institucional de quem quer, em última instância, resguardar a equipa de especulações mais ou menos intermináveis (rapidamente transformadas em antologias de obscenidades e insultos nos espaços de "discussão" da Net). Em todo o caso, permanece a questão da representação pública, não apenas da selecção, mas do futebol português em geral. Ou seja: como lidar com uma encenação mediática que transforma a selecção num tema compulsivo da identidade "nacional" e da verdade "patriótica"? Ao mesmo tempo, como jogar futebol quando o espaço informativo (?) tende a funcionar apenas como um tribunal pueril, a todos os instantes disponível para santificar "inocentes" e acender fogueiras para "culpados"? São perguntas que se podem formular de modo complementar: já que a maior parte dos agentes mediáticos, a começar pelas televisões, não discutem os valores do populismo dominante, porque é que, ao menos, os protagonistas (pessoas e instituições) desse populismo não arriscam questionar a degradação social induzida por tais valores?
C. Em boa verdade, o que está em causa, sendo necessariamente simbólico e inextrincavelmente cultural, enraíza-se em opções de fundo nas relações com os media. Porque é que um simples jogador de futebol, por vezes nem sequer sabendo lidar com as subtilezas da língua portuguesa (não, não estou a "culpar" ninguém... estou apenas a recordar um dado objectivo), tem de ser forçosamente transformado em símbolo redentor da "nação", da "pátria" e de tudo o que nos aconteceu desde que Luís de Camões escreveu Os Lusíadas? Ou ainda: porque é que a descrição exaustiva do peixe, da carne e dos vinhos consumidos pelos jogadores tem de assumir a dimensão de uma questão de Estado? No fundo, os responsáveis pelo futebol português colocam-se na mesma posição de demissão discursiva que caracteriza muitas instituições públicas: por medo ou indiferença, evitam lidar com a sua própria representação mediática, gastando energias a combater moinhos de vento. Em boa verdade, é assim que começam muitos jogos perdidos.