quinta-feira, junho 28, 2012

Em conversa: Rufus Wainwright (1)


Iniciamos hoje a publicação de uma entrevista com Rufus Wainwright que serviu de base ao artigo ‘A ambição de retratar o seu tempo’ publicado na ediçãoo de 16 de junho do DN. A entrevista decorreu na ocasião da mais recente passagem do músico por Lisboa. 

Como se decide, no quadro de uma carreira que não gosta de se repetir, a forma de dar o passo seguinte? Ou seja, como se vai de uma ópera para um ciclo de canções para voz e piano e, daí, para um álbum claramente pop [o recente Out Of The Game] com alma escutada em memórias dos anos 70? 
Desta vez foi fácil, porque tive experiências muito intensas, tanto pessoais como profissionais nos últimos três anos. A morte da minha mãe, o nascimento da minha filha, a composição e estreia de uma ópera, uma digressão mundial a solo, com penas (risos)... Estava num tornado de escuridão. E quando tudo acabou eu sabia, de forma muito instintiva, que precisava de parar. Precisava de me divertir e de trabalhar num álbum que procurasse celebrar o lado positivo da vida. O Mark [Ronson] foi a pessoa perfeita para o fazer comigo. É claro que ainda amo o mundo da música clássica e quero escrever uma outra ópera e continuar a trabalhar nesse domínio e a fazer essa viagem. Mas estava horrorizado pelas maquinações daquela existência. Muitos dos meus sonhos ficaram destruídos depois de trabalhar com orquestras, cantores de ópera e maestros. Apercebi-me que é um ambiente rígido, duro e mesmo brutal. E ao sentir tudo isso desenvolvi em mim um gosto redescoberto pelo que eram as minhas origens, que é o mundo da música pop. Por isso regressei a esse mundo e tomei-o de braços abertos. Agora, que já estou na estrada há algum tempo, já começo a pensar em escrever uma outra ópera. Acho que sou um amante muito inconstante (risos)....

Hoje vê-se que é um homem feliz. O que sente ao reencontrar as canções do tempo de Poses, que ainda canta ao vivo? São retratos de um tempo mais assombrado... 
Ainda canto algumas dessas canções em concertos. Um dos aspetos mais importantes do meu trabalho tem a ver com uma tentativa de apontar nas direções certas. Posso não estar lá quando componho, mas tento manter-me positivo. Ainda há dias estava em Israel e cantei o Dinner At Eight, que hoje raramente toco... E acabei devastado, porque é uma canção bem triste. Mas esses são tijolos de tristeza entre os tijolos que fazem este castelo. E temos de respeitar as nossas próprias fundações. Ou tudo vai rio abaixo.

No pólo oposto, Montauk é um dos temas mais luminosos deste novo disco. No DVD que acompanha o disco fala nas relações com a música de Philip Glass que ali cita... É no fundo mais uma ligação aos anos 70 que definem o clima do álbum? 
Nos anos 70, ao mesmo tempo que havia uma cena soul e uma cena folk rock, havia também um Philip Glass. E essa é a ligação a que me refiro.

É uma canção sobre homoparentalidade... 
Fala de uma relação entre dois pais e uma criança. Tecnicamente pode ser mesmo a primeira canção feita sobre este tema, pelo menos a este patamar mainstream. Não me lembro de uma outra canção que fale em dois pais... Aqui derroto o Elton John...

A sua obra e, também as entrevistas que dá e o que diz em palco sempre deixaram vincada uma grande abertura ao debate de questões ligadas com a sexualidade. Não teme que esses assuntos possam por vezes dominar focos dos media sobre si?
Não... Não posso deixar de discutir estes assuntos porque os acho importantes de ser falados. E são a vida, o amor, o sexo... Em agosto caso-me com o meu namorado. E é irónico porque, em tempos, não era um grande partidário do casamento gay. Até me opunha à ideia... Mas ao fim de estar cinco anos numa relação comecei a encarar a ideia de outra maneira. Mas resolvemos avançar e, de repente, o Joe Biden e o Presidente Obama começam a falar do assunto e tudo ganha ainda maior visibilidade nos EUA. Por isso talvez façamos parte de algo maior que está a acontecer. Por isso não tem a ver comigo. Somos parte de um movimento...

Nesse sentido, Montauk pode ser um retrato deste tempo? 
Sim, certamente. Ao mesmo tempo, ao ser um amante da música clássica, vejo que figuras como Verdi, Wagner, Mahler, Tchaikovsky, todos os grandes compositores, todos eles eram pessoas do seu tempo. Todos refletiam a sociedade daquele tempo e foi isso que os fez viáveis e imortais. Porque representavam o que se estava a passar. Não sei se o farei alguma vez com o meu trabalho na música clássica, mas creio que com as minhas canções estou a alcançar coisas que são reais.
(continua)