Mesmo com uma carreira cheia de altos e baixos, Sacha Baron Cohen persiste como um caso exemplar de um criador (actor, por excelência) que conhece o valor (e os poderes) da arte de representar. O seu mais recente filme, O Ditador, é um bom sintoma — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 Junho), com o título 'A geopolítica segundo Sacha Baron Cohen'.
O desmantelamento do sistema clássico das estrelas de cinema (ou do sistema das estrelas do cinema clássico) deu lugar ao domínio de personagens mais ou menos heróicas, por vezes apelidadas de “super-heróis”. São símbolos frágeis e intermutáveis que nascem de lógicas agressivas de distribuição/exibição, vivendo os ciclos efémeros impostos pela formatação de sucessivas campanhas de marketing. Veja-se o exemplo emblemático de Os Vingadores: o seu sucesso internacional e, sobretudo, a sua imagem de marca passa muito pouco pelos nomes do respectivo elenco (mesmo que nele figurem Robert Downey Jr., Scarlett Johansson ou Jeremy Renner).
Nesta conjuntura de desvalorização da nobre arte da interpretação (afinal de contas, as telenovelas impuseram uma espécie de grau zero do actor, todos os dias injectado nos olhares dos espectadores), não são muitos os que resistem, fazendo valer a sua presença como uma diferença real de carisma, estatuto e expressão. Os americanos Tom Cruise e Meryl Streep são óbvias excepções. Como o é o inglês Sacha Baron Cohen, agora regressado na deliciosa sátira politica que é O Ditador.
A sua estratégia mantém-se desde os tempos heróicos de “Ali G”, figura caricata dos subúrbios de Londres, com opiniões delirantes sobre toda a actualidade, desde os costumes à política (no ano 2000, foi o condutor da limusine de Madonna, no teledisco de Music). Vimo-lo, depois, como Borat, no filme homónimo (2006), um jornalista do Kazaquistão que vai fazer uma reportagem sobre os EUA e se apaixona por Pamela Anderson... E também como protagonista de Brüno (2009), retrato desconcertante de um austríaco que se apresenta como homossexual militante, repórter do mundo da moda, empenhado em transformar-se, de novo nos EUA, na “maior super-estrela austríaca desde Hitler”.
Trabalhando, em todos estes títulos, com o realizador Larry Charles, Cohen não terá encontrado ainda a melhor adequação entre o seu estilo tão peculiar e a mise en scène dos seus filmes (que, recorde-se, foi decisiva na consolidação das carreiras de Jerry Lewis ou Woody Allen). Seja como for, o desconcertante burlesco que o caracteriza possui uma energia que, nos seus melhores momentos, O Ditador volta a demonstrar.
É verdade que a sua personagem, o implacável general Aladeen, envolve uma calculada caricatura da geopolítica do Médio Oriente (Aladeen é mesmo definido pela sua imprensa como alguém que “arriscou a vida para que a democracia nunca chegasse ao país que tão amorosamente oprimiu”). Mas não é menos verdade que toda as aventuras de Aladeen em cenários americanos funcionam também como o avesso cruel dos lugares-comuns com que, não poucas vezes, os meios de comunicação ocidentais tratam o mundo árabe. Não é um filme politicamente “pró” ou “contra” seja quem for, antes uma viagem bem humorada pelas imagens (e ideias) do nosso mundo mediático.