segunda-feira, maio 28, 2012

"Smash": a excelência musical

Subitamente, a reinvenção do cinema musical está... na televisão: a série Smash é um caso muito sério de inteligência histórica e excelência espectacular — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 Maio), com o título 'O renascimento do musical'.

Ao longo das últimas décadas, cada vez que aparece um filme musical, há uma pergunta ansiosa e nostálgica que se renova: será que o género tem condições para renascer? Em boa verdade, é uma interrogação que nasceu há cerca de meio século, quando a exuberância experimental de West Side Story (1961) representou, paradoxalmente, o fim de um modelo clássico de produção. Depois disso, há de tudo, claro, mas oscila entre o génio apocalíptico (All That Jazz, 1979) e o novo-riquismo televisivo (Chicago, 2002).
Confrontados agora com a série Smash (canal: TV Séries), deparamos com uma evolução tão ambígua quanto fascinante: por um lado, se podemos detectar uma ligação com o musical cinematográfico, ela passa, justamente, pela herança coreográfica de Bob Fosse e, muito em particular, pelos métodos de montagem de All That Jazz; por outro lado, verdade de La Palice, tão espantosa recuperação da tradição musical do cinema surge com a chancela da... televisão!
Criada por Theresa Rebeck (autora teatral e argumentista de cinema e televisão), com produção do estúdio DreamWorks (Steven Spielberg é um dos produtores executivos), Smash enraíza-se num desafio que excede o campo específico do musical. Assim, os protagonistas preparam um musical sobre Marilyn Monroe. Mais do que isso: ao fazê-lo, mantêm-se assombrados por sérias dúvidas sobre a simples possibilidade prática (e mitológica, hélas!), de revisitar, através das canções e da dança, um ícone tão universal.
Sintomaticamente, tais dúvidas são o motor da elaborada teia dramática da série, oscilando a sua evolução a partir da existência de duas candidatas ao papel de Marilyn (interpretadas pelas excelentes Katharine McPhee e Megan Hilty — na foto). Dito de outro modo: à maneira dos grandes musicais de Hollywood, também aqui as canções estão longe de ser meros apêndices “decorativos”. Bem pelo contrário: esta é uma série sobre a música e a produção da música, quer dizer, sobre as nuances do trabalho criativo. As notáveis canções de Marc Shaiman e Scott Wittman são também, por isso mesmo, peças essenciais da narrativa.