A 12 de maio de 1983, quando se dirigia para uma sessão fotográfica, David Sylvian (1) sofreu um acidente de viação de pequenas proporções do qual saiu com ferimentos ligeiros. Mas no dia seguinte a notícia que chegava aos tabloides no Reino Unido dava conta de algo bem pior, usando até mesmo palavras como “horror” e “cicatrizes” em destaque (2). Rotulado algum tempo antes pela imprensa musical mais jovem como o “homem mais belo do mundo” (cognome que durante anos acompanhou ainda vários artigos sobre o músico), Sylvian via-se confrontado com o que eram consequências diretas da grande popularidade que os Japan (3) tinham alcançado nos últimos meses. Fugir não apenas daquela imagem mas do próprio estatuto que a definira já era preocupação na linha da frente dos seus objetivos. E, de facto, em breve nada seria como dantes.
Quase 30 anos depois, nenhum jornal daria notícia de semelhante incidente se agora ocorresse. Não que Sylvian se tenha transformado numa personagem invisível ou mesmo incógnita. Pelo contrário, é um dos músicos mais respeitados do nosso tempo, figura que em seu torno definiu um fenómeno de culto e autor de uma obra que já cruzou géneros musicais e chamou colaboradores de renome em vários campos. O que mudou foi a sua relação com a “fama”. E na verdade, depois do fim dos Japan, a sua relação com os outros procurou formas bem diferentes de relacionamento.
“Criar música é um ato de comunicação, e é natural que se deseje comunicar com o maior número possível de pessoas”(4), deixou claro o músico quando em 1999 assinalava o seu regresso aos discos em nome próprio com Dead Bees on a Cake. Mas David Sylvian sabe que não fala hoje para multidões. De resto, foi ele mesmo quem chegou a dizer que a sua música “é para quem está numa sala sozinho consigo mesmo ou num patamar ainda pior. É introspetiva de um modo que deixa algumas pessoas nervosas. O tipo de pessoas que ligam a televisão assim que sentem que estão sozinhas não gostam da minha música. Fá-las sentir terrivelmente desconfortáveis”(5).
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The Last Romantic |
(1) David Sylvian – De seu nome real David Alan Batt, nasceu em 1958 em Bekenham (Kent) no Reino Unido.
(2) Segundo recorda o livro ‘The Lats Romantic’, de Martin Power, na página 75, o ‘The Sun’ terá publicado uma notícia com o título “World's Loveliest Man in Scar Horror” (que poderemos traduzir como “O homem mais lindo do mundo num horror de cicatrizes”)
(3) Japan – A banda na qual David Sylvian militou entre 1974 e 1982 e da qual foi o vocalista e principal compositor. A seu lado estavam Steve Jansen (baterista do grupo e seu irmão, tem sido dos seus mais regulares colaboradores), Richard Barbieri (teclista e colaborador nos primeiros discos a solo de Sylvian) e Mick Karn (baixista, convidaria depois Sylvian a cantar em dois temas do seu álbum de 1987 Dreams Of Reason Produce Monsters). A formação original do grupo incluía ainda o guitarrista Rob Dean, que abandona o grupo no final das sessões de ‘Gentleman Take Polaroids’, em 1980)
(4) in ‘O Desejado’, entrevista a David Sylvian publicada no suplemento ‘DNmais’ a 27 março de 1999
(5) in ‘The Last Romantic’, de Martin Power (Omnibus Press, 1998), pág. 130
(6) in ‘Um Lento Olhar’, entrevista a David Sylvian publicada no suplemento DNmais a 28 de outubro de 2000
(7) in ‘The Last Romantic’, de Martin Power (Omnibus Press, 1998), pág. 133
(8) in ‘The Invention of Solitude’, de Biba Kopf, publicado na edição de setembro de 2009 da ‘Wire’