Esta é a segunda parte de uma entrevista publicada no Diário de Notícias (29 Maio), com o título 'Será que a realidade é apenas tomar anti-depressivos e andar... contente?'.
[ 1 ]
Antes de fazer Cosmopolis, conhecia bem o cinema de Cronenberg?
Sim, tinha visto muitos dos seus filmes. E tinha um cartaz de Scanners no meu quarto.
Talvez possamos dizer que Cosmopolis retoma uma questão central dos seus filmes anteriores. Ou seja: o que é a realidade?
Há mesmo uma cena em que, numa grande agitação, Eric diz à mulher que, afinal, as conversas das pessoas “normais” são muito estranhas... E quanto mais tenta comportar-se como um ser humano, mais parece um extraterrestre. Será que a realidade é apenas tomar anti-depressivos e andar... contente?
Como é que um actor se prepara para uma personagem destas?
Comecei pelos métodos convencionais e, de facto, não estava a resultar.
Que métodos convencionais?
De onde vem a personagem? Quais as motivações do seu comportamento? De repente, nada disso fazia sentido perante Eric. Há uma cena (que também está no livro) que, para mim, foi a chave de todo o processo. É no momento em que Eric, acompanhado pelo seu “Conselheiro de Teoria”, contempla a fachada do edifício NASDAQ (mercado de acções): para eles, aquilo parece uma igreja.
E que acontece numa igreja dessas?
Para eles, que gastam o tempo a inventar transacções, tudo se passa como se estivessem a viver no futuro, sem necessidade de lidar com o presente: o futuro é infinito, o presente aterrador.
Como lhe parece que os espectadores vão lidar com Eric? Vão sofrer com ele? Colocar-se contra ele?
Na verdade, não sei. As primeiras reacções têm sido muito boas, mas não sei. Quando vi o filme, senti que, no fim de tudo, Eric é uma personagem profundamente triste. O que não deixa de ser estranho, já que, se tivéssemos de lidar com ele, Eric seria alguém que não se interessaria pelos nossos sentimentos.
Essa tristeza será, talvez, um tema recorrente de Cronenberg.
Sem dúvida, porque não são histórias que se encerrem quando chegam ao fim. Há sempre como que uma felicidade inatingível, o que deixa uma sensação desconcertante... E eu gosto disso.