Robert Pattinson (com David Cronenberg e Sarah Gadon) em Cannes, 25/05/2012 (FOTO FIF/LF) |
Fazer uma entrevista com alguém do mundo do cinema que tem um estatuto de estrela envolve, quase sempre, algum protocolo logístico e discursivo. Exemplo clássico: o compromisso de o jornalista se limitar a registar a conversa, sem fazer fotografias (há, como é óbvio, momentos programados, os chamados photocalls, para que tal aconteça). São regras que podem, por vezes, decorrer de um ansioso excesso de zelo. Em todo o caso, são também, na minha perspectiva, regras legítimas, quanto mais não seja porque sabemos que a classe jornalística também integra muitas formas de trabalho (?) que se fundamentam na banal, medíocre e desumana exploração dos "famosos".
No caso desta entrevista a Robert Pattinson, em Cannes, tendo como pretexto o novo filme de David Cronenberg, Cosmopolis [estreia: 31 Maio], foram-me pedidas duas coisas: que não pedisse autógrafos e que não orientasse a conversa no sentido da saga Twilight/Crepúsculo. Sem problemas. Aliás, não é preciso perguntar a Pattinson se Cosmopolis representa algo de diferente na sua breve e fulgurante carreira — para além da excelência da sua interpretação, o filme, espantoso retrato da nossa relação suicida com o dinheiro, não tem nada de "juvenil", muito menos de anedótico. E se há nele um perturbante vampirismo, decorre de uma elaborada visão da decomposição mercantil das relações humanas.
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A entrevista que segue foi publicada no Diário de Notícias (29 Maio), com o título 'Será que a realidade é apenas tomar anti-depressivos e andar... contente?'.
Quando leu o argumento de Cosmopolis, sentiu que seria uma espécie de aventura de ficção científica ou, pelo contrário, um filme quase realista?
Para dizer a verdade, não me pareceu que viesse a ser um filme realista. O que realmente me interessou foi o lirismo da escrita, a combinação entre o poético e o divertido... Normalmente, quando leio um argumento, é possível ter uma certa antecipação visual do filme. Não no caso de Cosmopolis: era como se apenas conseguisse ouvir.
Sim, porque o diálogo surpreendia logo pelo estilo invulgar. Isso começava na própria aparência das páginas: viam-se de imediato os enormes monólogos, cada vez mais invulgares nos filmes. Ao mesmo tempo, era incrivelmente fácil de ler: acho que o li nuns 40 minutos...
O livro foi escrito muito antes da crise financeira de 2008 e, agora, quase parece uma reportagem sobre o nosso presente.
Até mesmo o episódio da tarte na cara de Rupert Murdoch parece ter sido “adivinhado” por Cosmopolis...
Tendo isso em conta, sentiu que estavam a fazer um retrato dos dias de hoje?
De facto, por mais estranho que pareça, não senti. O que senti é que era um filme sobre a vontade de ser livre. Há quem veja o filme como uma história niilista, sobre o abandono de todos os valores, mas nunca vi a personagem de Eric Packer dessa maneira. Para mim, é alguém que tenta, desesperadamente, encontrar alguma coisa e... não consegue.
Porque o dinheiro não basta?
Sim. Em qualquer caso, para ele, o dinheiro é uma entidade totalmente sem significado. Aliás, devo dizer que o mercado das acções é qualquer coisa que, para mim, não faz sentido. Por exemplo, quando lemos as notícias sobre a avaliação do Facebook: 104 mil milhões de dólares? Como é que isso pode ser real?
[continua]