sexta-feira, abril 20, 2012

Um quadro numa exposição


Debussy é um entre os nomes que Pedro Amaral “visita” numa obra que, estreada ontem em Lisboa no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian, é na verdade quase uma história de vida atravessando não só episódios da sua narrativa pessoal como referencias que o marcaram. As raízes de Transmutations pour Otchestre – La Bibliothèque en Feu remontam aos dias que passou na Escola Superior de Música, imaginando uma peça, sob inspiração de figuras como Stockhausen e Emmanuel Nunes, que procurasse “desvendar as possibilidades de integração do espaço enquanto parâmetro composicional”. Regressou a essa mesma matéria prima (e caudal de ideias entretanto dali nascidos) quando, em 2005, recebeu da cidade de Matosinhos a encomenda de uma peça orquestral. Nela toma um espaço visual concreto como pólo de reflexão: La Bibliothèque en Feu, de Vieira da Silva (1974), quadro projetado no fundo do palco do Grande Auditório nos momentos que antecederam e se seguiram à estreia mundial desta obra de Pedro Amaral. Uma obra que não procura a descrição ou tradução do que vemos nas linhas e cores de Vieira da Silva. Mas que partilha com ela uma forma de, partindo das formas e do cromatismo, entender de modo igualmente assente numa redução do vocabulário, a busca de gestos, relações e variações.

Sob a direção do jovem Lionel Bringuer (na foto), que é maestro residente na Los Angeles Philarmonic (onde Dudamel é o atual diretor musical), a Orquestra Gulbenkian tomou como “prólogo” à estreia da nova obra de Pedro Amaral uma belíssima e suave leitura de Prélude à L’Aprés Midi d’un Faune, de Debussy. Igualmente sob direção decidida, mas polida, apresentou na segunda parte uma Sinfonia Nº 1 de Brahms, transportando-nos a um tempo que, sob ecos ainda claros de heranças (nomeadamente de Beethoven) o compositor encetava um processo que da sua (curta, mas magnífica) obra sinfónica faria um dos paradigmas de referência do romantismo.