segunda-feira, janeiro 09, 2012

Um outro olhar sobre Wagner


Quando Wagner chegou pela primeira vez a Veneza, em 1858 mal imaginava que estaria a encontrar uma verdadeira segunda cidade. O certo é que nessa ocasião ali ficou por sete meses. Nos 25 anos que se seguiram ali viveu seis temporadas, das várias visitas relatando ocasiões em que foi surpreendido pela sua música em lugares inesperados (numa ocasião por uma banda militar em plena Praça de São Marcos)... Lugares inesperados são também aqueles que Uri Caine muitas vezes visita. Músico norte-americano com afinidades maiores com o jazz mas pouco interesse em viver a música como espaços separados por barreiras de género, apresenta entre os títulos da sua obra discográfica alguns momentos de reflexão (e transformação) sobre a música de compositores como Mahler, Bach, Beethoven ou, entre outros mais... Wagner. E foi com a sugestão de Veneza por cenário e entre os ecos das vivências de Wagner na cidade (onde morreu em 1883) que nasceu a música de Wagner e Venezia, disco de 1997 (lançado pela Winter & Winter) que serviu de base ao concerto absolutamente magnífico que o Grande Auditório da Gulbenkian recebeu ontem à noite.

Acompanhado por dois violinistas (Pedro Pacheco e Otto Michael Pereira), uma violoncelista (Raquel Reis), um contrabaixista (Marc Ramirez) e um acordeonista (Paulo Jorge Ferreira), Uri Caine (ao piano) fez-nos mergulhar, sem rede, por uma música que parte diretamente de obras de Wagner mas que procura outros caminhos, outras descobertas, outras cores. Apesar da sua importante obra na área do jazz os destinos das transformações sugeridas por Uri Caine mostraram ser leitura de horizontes ainda mais largos. Os jogos de contraste entre a melancolia que trespassa a leitura do Prelúdio de Tristão e Isolda e a dinâmica encontrada entre as cordas para sublinhar a Cavalgada das Valquírias garantiram ao percurso sugerido um serão vibrante e entusiasmante que teve nos momentos de improvisação (para lá das fronteiras da música de Wagner) momentos que arrebataram entusiasmos na sala. Bom trabalho também no desenho de luz, mostrando uma vez mais as potencialidades cénicas (nem sempre devidamente exploradas) desta belíssima sala.