terça-feira, janeiro 17, 2012

"O Artista", o simulacro e a cinefilia

Não terá sido preciso possuir dons de adivinhação para compreender que, desde a sua descoberta no Festival de Cannes de 2011, O Artista [estreia portuguesa: 2 Fevereiro] surgia como um daqueles filmes capaz de suscitar algumas clivagens muito nítidas e também muito interessantes (excluindo, claro, a tradicional proliferação de insultos que se adivinha em alguns "debates" na Net). Harvey Weinstein percebeu isso muito bem, adquirindo de imediato o filme de Michael Hazanavicius, para o ir consagrando através de um look muito bem trabalhado pelo marketing da Weinstein Company.
Assim, para alguns, a história da vedeta do cinema mudo e da sua dificuldade de adaptação ao sonoro, emerge como uma homenagem a uma certa ideia mítica de pureza; para outros, entre os quais me incluo, estamos antes perante um desenvolvimento sintomático de toda uma prática generalizada do simulacro ou, para usarmos um termo relançado pela dinâmica da Net, do fake.
A continuada ascensão do filme — com prémios vários, incluindo o Globo de Ouro para melhor filme (comédia/musical) — possui um valor inevitavelmente revelador e, de alguma maneira, incontornável: O Artista condensa toda uma noção da memória cinematográfica em que as convulsões da história se redimem sempre no brilho mais ou menos sedutor do kitsch.
Nesta perspectiva, estamos perante um sintoma da decomposição, porventura irreversível, da noção clássica de cinefilia: a herança das narrativas deu lugar ao jogo superficial das citações. É uma estética do simulacro que está a nascer.

>>> Site oficial de O Artista.