segunda-feira, outubro 31, 2011

Novas edições:
David Lynch, Crazy Clown Time


David Lynch 
“Crazy Clown Time” 
Sunday Best 
4 / 5 

Bastava-nos ir ao cinema para reconhecer que David Lynch gosta de música. E de som em geral... Desde o ruído opressivo que domina Eraserhead à cena da “profecia” de Dune ao som de Brian Eno, encontrando depois a parceria perfeita ao lado de Angelo Badalamenti (com exemplos maiores de excelência nas bandas sonoras para a série Twin Peaks e o filme Mulholland Drive), David Lynch foi afirmando, juntamente com a revelação de uma das mais ímpares personalidades da história do cinema, um cuidado com importante protagonismo na hora de pensar que sons e músicas a levar aos seus filmes. A canção mora também desde há muito entre as suas esferas de interesse, com exemplos de escolhas certas nas horas certas ao levar Chris Isaak a Wild at Heart ou David Bowie a Lost Highway. Esta é uma relação que se aprofundou ao trabalhar som, sem imagem, quando, juntamente com Angelo Badalamenti, criou dois álbuns em trabalho de colaboração com Julee Cruise (cuja música levaria a Twin Peaks e para quem rodou depois o filme-concerto Industrial Symphony – Vol 1). Rodou telediscos para os Sparks ou Moby, entre outros. Há poucos meses realizou a transmissão, em directo, de um concerto dos Duran Duran para a Internet... Aos discos, em nome próprio, chegou em 2001 através da parceria com John Neff, sob a designação BlueBob. Em 2010 via a luz do dia uma outra colaboração, desta vez com Danger Mouse e Sparklehorse, com o título Dark Night of The Soul... E há cerca de um ano o seu nome surgia pela primeira vez na capa de um disco, assinando a música. Acontecia ao som de Good Day Today / I Know, um single double A Side que, afinal, não era senão o cartão de visita para o álbum que agora é lançado. Crazy Clown Time não nasce, por isso, do nada. David Lynch chama-lhe “blues modernos”... De facto há aqui toda uma vontade em encontrar ecos e caminhos para a guitarra eléctrica e toda uma arquitectura rítmica, lenta e melancólica, que carrega em si genéticas dos blues. Mas a visão de Lynch não se esgota aqui. E se as guitarras, efeitos cénicos (que conferem uma interessante noção de espaço) e vozes são veículo dessas memórias, a verdade é que caminham para um espaço novo, algo assombrado, onde as electrónicas são frequentemente convocadas. Karen O (dos Yeah Yeah Yeahs) é parceira de valor acrescentado em Pink’s Dream (que abre o alinhamento) com sabor a espaço e Oeste reinventado... Vozes processadas via vocoder (mais faladas que cantadas) traçam cenários diferentes entre Strange and Unproductive Thinking e She Rise Up. Air e Moby surgem como eventuais termos de comparação, respectivamente em Noah’s Ark e Stone’s Gone Up (este o momento de maior luminosidade pop do álbum). Não faltando esse momento magnífico feito de electrónicas que é Good Day Today... Pelo disco passa ainda uma permanente noção de atmosfera, por vezes até mesmo com efeitos de sonoplastia. Cinema, portanto, apenas sem imagem. Afinal, David Lynch mantém-se fiel aos seus caminhos. E Crazy Clown Time é quase como um novo filme seu (ou uma colecção de 14 curtas), contando histórias bizarras e em climas definidos pelo som, a cada ouvinte cabendo a liberdade de criar (ou nem por isso) as suas imagens.