quarta-feira, setembro 07, 2011

"Cisne": de Veneza para as salas portuguesas


Um dia em Veneza (7 de Setembro), no dia seguinte nas salas portuguesas: saúde-se a rapidez do lançamento de Cisne, de Teresa Villaverde, num processo de distribuição que arrisca nas convulsões da actualidade — este texto foi publicado no Diário de Notícias (6 de Setembro), com o título 'Ser ou não ser português'.

Não vale a pena escondê-lo: com mais ou menos inteligência, os filmes portugueses reflectem os traumas de uma cinematografia que permanece artisticamente forte e economicamente adiada. As responsabilidades institucionais de tal estado de coisas pertencem à maioria de uma classe política que, da esquerda à direita, assistiu, impávida e não poucas vezes conivente, ao triunfo de uma cultura televisiva que alagou o país de populismo e estupidez.
Daí que os filmes, na angustiada consciência do que em nós adiamos, pareçam por vezes revoltar-se contra tudo e contra todos, porventura alienando pelo caminho a cumplicidade do próprio espectador. Cisne, de Teresa Villaverde, é um objecto que reflecte tal conjuntura, enfrentando o abismo da comunicação com uma coragem que roça a comoção mais pura.
Teresa Villaverde
Não tem o radicalismo de outros títulos da filmografia da autora. Não tem a transparência crua de Transe (2006) nem a fulgurância poética de Os Mutantes (1998), este, a meu ver, um momento nuclear da modernidade cinematográfica em Portugal. Cisne é, afinal, uma fábula sobre o mais português dos temas: a nossa desesperada incapacidade de sentirmos que pertencemos a alguma espécie de colectivo. Como sempre, o ponto de fuga de tal drama é a infância. Não por acaso, a sua dor ecoa no olhar e nas palavras de Vera, cantora da sua própria solidão que Beatriz Batarda compõe com a esplendorosa precisão de uma vertigem redentora.
É bom que o filme passe em Veneza e, logo a seguir, chegue às salas portuguesas. É uma maneira de lembrar aos mais cínicos que as atribulações do ser português têm um lugar na actualidade do mundo. Até porque a presença das telenovelas no nosso quotidiano já superou qualquer actualidade: é apenas um massacre tolerado.