sexta-feira, maio 27, 2011

Um novo mundo


Este texto foi publicado na edição de 25 de Maio do DN com o título “Como se todo o mundo coubesse num filme”.

É como se todo o mundo pudesse morar dentro de um filme. Vencedor aclamado em Cannes no passado domingo, o novo filme de Terrence Malick é um daqueles raros objectos de cinema que, um dia, se sentará ao lado de um 2001: Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick no panteão das obras maiores da história da sétima arte. É um filme de grande fôlego. De narrativa por vezes mais sugerida que mostrada. De fotografia impressionante. Pensado com um ritmo de montagem que tudo une como se de uma só peça se tratasse. Com música que amplifica a dimensão quase operática da sua identidade. Mostrando um elenco onde encontramos nomes maiores do nosso tempo como Brad Bitt, Jessica Chastain ou Sean Penn. Mas no fim, e tão simplesmente, um muito pessoal, e místico (podemos dizer mesmo religioso) olhar sobre a vida.


A Árvore da Vida é o quinto filme de Terrence Malick, chegando aos ecrãs 38 anos depois de Badlands, de 1973. A sua história remonta a meados da década dos zeros, quando Malick trabalhava em Che, biopic sobre o revolucionário que combateu ao lado de Fidel Castro, e que entretanto acabou nas mãos de Steven Soderbergh.

De produção longa (com pós-produção não menos demorada, adiando de 2010 para este ano a sua estreia), o filme centra a sua atenção no espaço de uma família texana nos anos 50, através de memórias evocadas no presente pelo filho mais velho. A dimensão mística, que ganha forma nas questões que essas recordações eventualmente levantam, leva-nos depois a todo um mergulho no tempo, observando (com impressionante selecção musical) ecos da formação do sistema solar, a origem da vida, o mundo dominado pelos grandes répteis do mesozóico, a sua extinção, estes passos justificando o prólogo das vidas que, no fim, estão no centro da atenção da história que acompanhamos no ecrã.

Se a formação pessoal de Malick (e todo o curso da sua obra) conduzem a reflexão que projecta no filme, já este ciclo de imagens que acompanham o era-uma-vez do nosso mundo contou não apenas com o apoio de vários consultores científicos, assim como com o trabalho de uma equipa de efeitos visuais comandada por Douglas Trumbull, o mesmo que em 1968 foi o braço direito de Stanley Kubrick em 2001. Exigente foi ainda o casting, exigindo o encontrar do trio de jovens actores que vemos como filhos do casal O’Brien, que levou um ano a concluir.


A música é outra das presenças-chave na definição da ideia de “obra total” que podemos encontrar neste novo filme de Malick, aprofundando uma relação que decorre também dos seus filmes anteriores. Se Alexandre Desplat foi chamado a assinar a partitura original que suporta o corpo da música, excertos de obras de Brahms, Preisner, Górecki, Kanchelli, Bach ou Berlioz são depois as vozes que se destacam num corpo sonoro que, de tão coeso, se torna indissociável das imagens, fazendo deste filme uma obra maior que, certamente, será recordada pela história do cinema.

Sobre a música em A Árvore da Vida podem ler outro texto aqui.