terça-feira, abril 26, 2011

O 25 de Abril nunca existiu

JOSÉ MALHOA
Fado, 1910
1. Quase todos os comentadores de futebol existem contaminados pela epidemia do determinismo: nada do que acontece num jogo pode escapar ao racionalismo mais primário e fundamentalista. Pois se as equipas até marcam golos quando não estão a dominar os jogos... Que escândalo! Que injustiça!

2. Seria apenas banal se essa filosofia de causalidades pueris não se tivesse instalado, como um ditadura das significações, em todos os domínios da televisão. Assim, enfiamo-nos há décadas no buraco ideológico em que continuamos a escavar na mesma caricata perplexidade. Afinal, o 25 de Abril foi "bom" ou "mau"? O sucesso X ou a tragédia Y são fruto (ou culpa) do 25 de Abril? A história deixou de ser um devir plural e contraditório – passou a ser tratada como um boletim do totoloto em que talvez acertemos na nossa redenção.

3. Comemora-se o 25 de Abril e ninguém fala de cultura. Cultura televisiva, antes do mais, já que é essa a cultura dominante. Tão dominante que conseguiu impor a ilusão de que só a "ópera", o "bailado" e outras excrescências intelectuais são culturais... Em boa verdade, um dos valores realmente radicais do 25 de Abril – tudo é cultural – foi reduzido a pó: a televisão determina todos os dias as nossas formas de ver, construir narrativas, colocar problemas e pensar, mas consegue essa proeza trágica de existir como se fosse o oráculo da transparência. Onde está um político sem medo de enfrentar esta conjuntura?