domingo, março 20, 2011

Em conversa: Michael Cunningham (1)

Foto: Bernardo Sousa de Macedo

Iniciamos hoje a publicação de excertos da entrevista realizada publicamente a Michael Cunningham pelos dois autores deste blogue no auditório da Fnac Chiado a 7 de Março.

As suas histórias passam muito pela cidade de Nova Iorque. Ao Cair da Noite regressa, de resto, à cidade. O que o faz escrever tantas vezes sobre esta cidade?
Onde quer que um escritor viva esse é um local entusiasmante para se escrever. Se eu vivesse em Lisboa… Mas eu vivo em Nova Iorque e por isso escrevo sobre Nova Iorque. E dou uma especial atenção a esse facto porque uma das funções do romancista é escrever sobre o seu tempo. Se quisermos ler sobre a Rússia do século xix vamos ler livros de história, biografias, mas também obras de um Tchekhov, Tolstoi e Dostoiévski, porque eles também mostraram o que era viver em Moscovo naquela altura. Acho que é isso que nós, escritores, devemos fazer: retratar o sitio onde vivemos o nosso tempo. No meu caso, Nova Iorque.

Este seu novo romance passa pelo circuito das galerias de arte de Nova Iorque. Tentou conhece-lo mais de perto, antes de escrever?
Sou grande fã de arte, estou sempre a visitar museus e galerias. E muitos dos meus amigos mais próximos são negociantes de arte. O dono de uma galeria de arte deixou-me durante uma semana vestir-me até de art dealer. Não vendi nada mas tentei.

Há mais diálogos neste livro. Isso decorrerá das suas recentes experiências no mundo do cinema?
Espero bem que não. Estas personagens simplesmente falam muito mais. Em Nova Iorque há muita gente que fala de forma bastante intrincada, complicada, mas eu prefiro que o façam depois de uma forma mais simples.

Como encara as adaptações ao grande ecrã dos seus livros?
Eu quero que os livros possam dar origem a filmes, se transformem... Não tenho esse estigma do texto sagrado. Uma das minhas adaptações preferidas foi do romance Sangue do meu Sangue , feita sem autorização, por um grupo drag queens na internet. E fiquei tão feliz com isso. Isto já foi há muitos anos nem sei se ainda esta disponível.



Quando faz um livro imagina o filme que possa gerar?
Seria muito venenoso imaginar que os livros são um meio passo para virem a tornar-se num filme.

E gosta das adaptações que já foram feitas?
Tenho tido sorte e os filmes que fizeram são bons filmes. Quando estavam a filmar As Horas, foi diagnosticado a minha mãe um cancro. Eu estava em Los Angeles, onde cresci, e disse ao produtor o que tinha acontecido, pelo que ela poderia chegar nunca ver o filme. Perguntei-lhe se havia algo que ele pudesse fazer... A personagem interpretada pela Julianne Moore é muito parecida com a minha mãe e o produtor disse que podiam mostrar algumas imagens das filmagens que tinham estado a decorrer. Alguém chegou à casa onde cresci com várias dessas cenas com a Julianne Moore. E acabei por me ver sentado no sofá, com a minha mãe, que morreu semanas depois, a ver a Julianne Moore a interpretá-la. Nunca sabemos o que acontece quando escrevemos um livro.
(continua)