quarta-feira, fevereiro 23, 2011

Um repórter na Praça Tahrir


A. Porque é que o repórter [ver video em baixo] aponta o dedo como princípio fundamentador de informação? Porque é que, ao pegar numa das pedras da calçada da Praça Tahrir, o repórter quer fazer passar a ideia de que o seu contacto com a matéria decorre de alguma verdade imanente ao seu discurso?
B. Obviamente, as televisões não estão a questionar os seus modos de aproximação das actuais convulsões no mundo árabe. Se não o fazem perante as vítimas incautas de reality shows e afins, porque é que o fariam face a uma realidade incomparavelmente mais densa e, sobretudo, mais assustadoramente complexa?
O fenómeno é transnacional. Está na CNN, na BBC ou nos canais portugueses. Primeiro, decorre desse primarismo ideológico que faz com que uma multidão a gritar seja, enquanto linguagem televisiva, um símbolo automático, universal e inquestionável de "luta pela liberdade" — veja-se, a propósito, como a saturação repetitiva de algumas (poucas) imagens do nosso 25 de Abril criou uma memória mole, primária e moralista onde já não é possível descortinar nenhuma densidade factual ou afectiva dos eventos históricos. Depois, promove até à obscenidade a noção arrogante segundo a qual um repórter in loco é sempre um sacerdote de uma verdade abrangente e indiscutível.
C. Alguém pega numa pedra da Praça Tahrir e, por uma espécie de milagre instantâneo, contempla-nos como se só pudéssemos abrir a boca de espanto redentor e submissão cognitiva. Que se espera, então, do espectador? Nada, apenas que saboreie a fast food jornalística.