ROY LICHTENSTEIN
Natureza morta com taça de cristal
1973
É muito provável que o leitor deste post seja um dos 5.139.483 portugueses que se abstiveram nas eleições de 23 de Janeiro. E temo que seja ainda mais provável que, ontem, ao seguir a noite eleitoral nas televisões (se é que a seguiu...), esse mesmo leitor tenha tido a sensação dramática de que ninguém falava para ele.
Não que eu pense que não participar num acto eleitoral confira qualquer espécie de legitimidade moral seja a quem for (haverá até quem possa argumentar que a abstenção lhe retira tal legitimidade). Em todo o caso, num país em que quase tudo se quantifica, não é possível — não é culturalmente nem politicamente possível — ficar indiferente a esta evidência: mais de metade dos portugueses com direito a voto (53,37%) decidiu não exercer esse direito.
A questão que aqui se refere é, por isso, antes de tudo o mais, de natureza comunicacional: para quem falam os políticos que omitem o facto de metade da população não corresponder aos seus apelos ao voto? E a propósito: para quem falam as televisões que escolhem o fait divers (político ou não) contra a pluralidade e complexidade de qualquer realidade que envolva o nosso viver colectivo?
Não é fácil lidar com tudo isto, quanto mais não seja porque também não se trata de demonizar a própria classe política, favorecendo qualquer acusação global e populista contra "eles". Ainda e sempre, o drama começa no facto de termos tanta dificuldade em dizermos nós. Eu, tu, ele.