terça-feira, dezembro 14, 2010

Quando o baile passou por Lisboa

Foto: DN

Este texto de crítica ao concerto de Lady Gaga no Pavilhão Atlântico, em Lisboa, foi originalmente publicado na edição de 12 de Dezembro do DN com o título ‘O Baile de Orgulho de Lady Gaga e seus Monstrinhos’.

Os números antecipados não deixaram ninguém enganado. Os números, entenda-se, das vezes que Lady Gaga mudou de roupa, dos novos temas a ser revelados ao longo do concerto, da quantidade de camiões que transportam na estrada todo o aparato cénico que transporta a Monster Ball Tour. Mas na noite de sexta- -feira, perante um Pavilhão Atlântico cheio e rendido desde bem antes da entrada em cena da rainha da noite, houve sobretudo espaço para a surpresa, que chegou na forma de uma entertainer que sabe juntar as artes do canto, da dança e da mise-en-scène a uma constante comunicação com a plateia, não perdendo nunca a oportunidade para expressar uma atitude política, mais que uma vez trazendo a Lisboa uma mensagem de firme apoio à comunidade LGBT (lésbica, gay, bissexual e transgénero) que tem defendido desde os primeiros passos da sua carreira pública. De resto, e com uma recorrente enunciação de uma ideia de igualdade e integração dos excluídos (e aqui não apenas pela sua orientação sexual), Lady Gaga não deixou de mostrar porque muitos dela fizeram um ícone de absoluta referência.

Tratando os presentes como os seus "monstrinhos" e integrando a palavra Portugal em inúmeros instantes ao longo de todo o concerto, transportando até a dada altura uma bandeira portuguesa, Lady Gaga mostrou que quem a reduz a uma ideia de estrela para aparato visual e ponto final mais não faz senão expressar um preconceito mal informado.

De facto, e ao contrário de outros grandes espectáculos de grande produção do nosso tempo, ficou claro que a Monster Ball Tour não se limita a uma ideia de monumento para encher o olho. Além de uma mão-cheia de belíssimas canções pop com alma em sintonia com a pista de dança e de um conjunto de quadros cénicos (e com mais que apenas efeitos em vídeo), Lady Gaga leva a cena heranças naturais da tradição pop/rock cedendo espaço de visibilidade aos músicos (e não apenas a si mesma e aos bailarinos), ela mesma tocando piano (com uma espantosa atitude showbiz, cruzando diálogos com a plateia com a canção que nos ia apresentando) e, mais tarde, um bizarro teclado que mais parecia coisa saída de um filme de ficção-científica.


Lady Gaga é um ícone pop dos nossos dias e a Monster Ball é talhada à imagem e personalidade da figura que já inscreveu na história recente da cultura popular. É uma diva vestida a excesso e glamour, mas também a figura magoada. É brilho e luz, mas também sombra e sangue. Do jogo de contrastes nascendo uma voz que a si chama incompreendidos e diferentes, com eles partilhando o baile que, se por um lado é festa e libertação, por outro não deixa de reflectir sobre um mundo onde a noção de igualdade nem sempre é lida da mesma forma como a cantora o faz. Ela nasceu assim, como o deixou claro na hora de apresentar as cenas dos próximos capítulos em Born This Way, álbum a editar em Maio de 2011 e do qual levou a palco dois temas e uma declaração de princípios que reforça a sua forma diferente de estar na vida e música.

Sem pedir a caução da memória dos telediscos para chamar ao palco os singles que já fizeram história (evocando contudo as coreografias), apresentando uma colecção de criações de fazer inveja a muita passagem de modelos, Lady Gaga desfilou canções que são já clássicos do presente. Love Game, Just Dance, Paparazzi, Telephone ou Alejandro, terminando a noite ao som do inevitável Bad Romance. É raro vermos um artista da dimensão de uma Lady Gaga visitar-nos tão cedo na sua carreira. A boas horas a Monster Ball Tour não deixou assim Portugal excluído da mais impressionante digressão pop do presente.