domingo, julho 25, 2010

"Big Brother": o regresso da obscenidade televisiva

Estas duas imagens não foram coladas aqui — surgem assim mesmo, lado a lado, na base da página de entrada do site da TVI [25 Julho, 20h00]. A sua coexistência, nestes termos, acaba por ser um revelador efeito dos poderes clássicos de um princípio vital de muitas formas de expressão visual, em particular o cinema — esse princípio é a montagem e o modo como nela, por definição, se começam por aproximar dois elementos, gerando uma narrativa em que ambos estão implicados.
O que aqui podemos ler está, por isso, para além do inquietante anúncio de uma nova edição dessa chaga social e cultural que dá pelo nome de Big Brother. Está, de facto, em marcha a produção de uma nova edição desse reality show — e a provocação social e política é de tal ordem que a promoção oficial se atreve a usar como frase promocional a expressão "A revolução começa agora!":


O nível do envolvimento público que o empreendimento solicita aos concorrentes está bem expresso na agressiva obscenidade do 'Questionário reality' a que são obrigados a responder. Alguns exemplos de perguntas formuladas:

* Quais foram as coisas mais estúpidas que fez na adolescência?
* Conte-nos a sua primeira história de amor.
* Teve muitos relacionamentos/affairs? Amizades coloridas?
* Qual é o seu segredo de sedução?
* Que tipo de relacionamento tem com os seus familiares mais próximos (pais, irmãos, avós, tios, primos...). Tem alguma história engraçada com eles?

Mesmo passando à frente das sugestões mais torpes (o que são "amizades coloridas"?...), fica a lógica invasora de um entendimento do ser humano que não respeita nenhuma fronteira — porquê e para quê expor assim a vida familiar seja de quem for? E os familiares são apenas caricaturas que podem ser evocados para contar alguma "história engraçada"?

* * * * *
Ora, o que é extraordinário não é que o comentador político da TVI (ex-RTP) adopte, ou venha a adoptar, um culpado silêncio face a este horror triunfante que invadiu a televisão "popular". O que é extraordinário, e profundamente chocante, é que, apesar de algumas honrosas excepções, a esmagadora maioria da classe política — envolvendo todos os partidos, quadrantes e sensibilidades — assista há décadas à quotidiana degradação do mais poderoso bem público da comunicação contemporânea — as televisões, hélas! — e não diga uma palavra que seja sobre a miséria humana que tudo isto implica.
Pensava eu, como cidadão eleitor, que fazer política começava por aí — e que, por isso mesmo, as intrigas mais ou menos fulanizadas das máquinas partidárias, mesmo quando envolvem "histórias engraçadas", não passariam de detalhes secundários.