sexta-feira, junho 04, 2010

Em conversa: John Grant (3)

Continuamos a publicação de uma entrevista com John Grant, sobre a edição de Queen Of Denmark, o seu primeiro disco a solo e que serviu de base ao artigo ‘A canção como forma de lidar com uma vida difícil’, publicada na edição de 22 de Maio do DN Gente.

Toda a raiva e a dor que foi acumulando nos dias de juventude ajudaram-no depois a desenvolver a personalidade das suas canções?
A canção é uma dádiva que recebi e que me ajuda a lidar com as coisas mais difíceis da vida. Ajuda-me a lidar com essas coisas. Mas por vezes é difícil de avançar. Durante anos senti-me atolado nas drogas e no álcool. E fiquei ali... Não me sentia a progredir mental e espiritualmente. Porque estava preso naquela dor, e a esconder a dor com tanto álcool, cocaína e sexo quanto possível. Para continuar uma carreira na música senti que tinha de ficar sóbrio. De outra forma não conseguiria ter feito este disco.

O que o fez sentir que tinha de ficar sóbrio? E ter força para vencer os obstáculos?
Não é fácil. Cresci numa família muito religiosa. Ainda acredito que existe um Deus. Em muitas alturas dei por mim de joelhos, mesmo numa altura em que tomei medicações. E quando estava a vencer o álcool pensava que ia morrer. Não tinha a certeza se alguém me estava a escutar, mas a ajuda que encontrei foi nas pessoas. Foi o que me ajudou a vencer. Comecei a ir aos alcoólicos anónimos. E essa foi uma grande ajuda. Nem sempre estava em sintonia com o que ali se dizia, mas só o facto de estarem lá aquelas outras pessoas, de me darem os seus números de telefone, já ajudou muito. Pessoas que entendiam o que se passava comigo, e que constantemente me diziam que ia melhorar, mesmo quando eu achava que não. Mas as coisas tornam-se muito mais difíceis depois de nos afastarmos de tudo aquilo... Ainda tenho momentos de luta. Há dias em que tenho muitas coisas na cabeça... Não me quero afundar de novo e por vezes era mais fácil simplesmente beber. Mas não queremos sentir algo que já sabemos como vai ser. Queremos que esse sentimento desapareça. Temos de fazer com que desapareça.

Num dos temas do disco, em concreto, Jesus Hates Faggots, afloram reflexões sobre a sua relação com a religião. É um espaço de conflito para si, esse confronto entre religião e sexualidade?
Sim, é um conflito constante. É um conflito porque sentimos que não podemos acreditar em Deus se queremos ser gay... Parece que não podemos ter uma vida espiritual se esta é a nossa sexualidade. Essa é uma questão importante. E ainda não encotrei a resposta... É uma luta constante em mim. Para mim é-me difícil falar sobre religião porque sinto que não me é permitido fazê-lo. E por causa da forma como fui criado não quero fazer parte daquela sociedade, onde sei que acabo sempre por ser alguém sob julgamento. Toda aquela coisa de vermos um dedo ser apontado a nós... E quando, no fundo, tudo devia ser antes sobre o amor. E nunca parece ser... Há antes guerra, ódio, dedos apontados e hipocrisia.