Foi o momento simbólico de introdução do som no cinema: O Cantor de Jazz (1927) está de volta em DVD, suscitando algumas reflexões sobre o futuro dos filmes... nas salas — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 de Março), com o título 'Que futuro para as salas de cinema?'.Em plena época de Oscars, surgiu discretamente no mercado do DVD uma magnífica edição de O Cantor de Jazz (1927), de Alan Crosland, com Al Jolson. Historicamente consagrado como o primeiro filme sonoro, O Cantor de Jazz é um objecto tanto mais interessante quanto pode simbolizar uma conjuntura com alguns curiosos paralelismos com a nossa actualidade.
Escusado será dizer que a passagem ao som envolveu componentes técnicas e factores industriais que não podem ser confundidos com os sobressaltos agora causados pela generalização do digital e, em particular, pela nova vaga de filmes a três dimensões. Não há equivalências automáticas entre dois contextos tão diversos e distantes. Prevalece, em todo o caso, uma certeza que, antes de ser artística, é eminentemente económica. Nada do que aconteceu com a introdução do sonoro, ou do que virá a acontecer com a consagração do 3D, pode ser separado de formas mais ou menos complexas (e dispendiosas) de reconversão do parque das salas.
Entre as muitas questões por responder permanece o futuro das salas. Não apenas por causa da sua adaptação ao novo quadro tecnológico, mas também (e sobretudo) através do papel comercial que o mercado lhes vai continuar a atribuir. Ou não vai... por estes dias também, chegou a desconcertante notícia da edição directa em DVD de Crazy Heart (o filme que deu o Óscar de melhor actor a Jeff Bridges), sem passar pelas salas portuguesas!
O mais bizarro seria o 3D funcionar, não como um motor da revalorização das salas, mas enquanto factor de simplificação da respectiva oferta. Dito de outro modo: se as salas entrarem no delírio de se conceberem como simples montra da vanguarda tecnológica, entrarão num perverso processo de desertificação da própria oferta. Porquê? Porque a esmagadora maioria dos produtos cinematográficos continua (e continuará) a não ser fabricada com os meios de Avatar ou Alice no País das Maravilhas. Em última instância, poderá estar a criar-se um novo tipo de espectador de cinema que encare a sala, não como a regra material do cinema, mas a sua excepção técnica. O preço estético a pagar por isso será devastador. E não é claro que os efeitos económicos sejam necessariamente os mais estimulantes.