segunda-feira, fevereiro 22, 2010

E antes do adeus

“Waking up begins with saying am and now”
(C. Isherwood)


É precisamente com a frase que abre A Single Man que Tom Ford nos convida para a sua leitura de um dos mais incríveis romances de Christopher Isherwood. Originalmente publicada em 1964, a narrativa de Isherwood conhece aqui um dos mais incríveis exemplos de adaptação de um texto a cinema, grande parte do mérito devendo-se à incrível visão de Tom Ford que não apenas mergulhou na pungente carga emotiva da história que tinha em mãos, como a soube projectar num universo visual que lhe dá corpo (isto sem não esquecer o igualmente soberbo trabalho dos actores, sobretudo Colin Firth e uma sempre magnífica Julianne Moore).

A acção projecta-se na América de inícios de 60, indícios de localização do tempo passando em fundo na forma de referências à crise dos mísseis em Cuba. No centro do pequeno universo que Isherwood criou encontra-se um professor universitário (interpretado por um espantoso Colin Firth) que, após 16 anos de vida comum com um arquitecto se vê mergulhado na solidão após a morte deste último num acidente de viação. O silêncio de uma casa onde antes habitava a música que escutavam ou a placidez de serões vividos de livros entre as mãos tornou-se insuportável. E o sentido de tudo dissipou-se, planeando George Falconer (assim se chama) uma despedida. Um adeus encenado ao pormenor, os mais pequenos detalhes alvo de atenção ao longo de um último dia, aquele que o filme nos desvenda aos poucos.

O adeus não esquece um derradeiro jantar com Charley (Julianne Moore), uma amiga que trouxe dos dias ainda vividos em Londres. Ela também hoje só, o seu silêncio contando ao menos com a presença próxima (são vizinhos) de George, que ainda ama. Ele retribui amizade e afecto. Mas não mais… Jim (interpretado em sequências de flashback por Matthew Goode) fora tudo para si…

O último dia de George conta, contudo, com uma interferência inesperada. Uma presença que escapara ao seu meticuloso plano de adeus, desenhado com a elegância de um esteta. O elemento imprevisto chega na forma de Kenny (Nicholas Hoult), um dos seus alunos. Um rapaz atento, sensível, que em George detecta uma inquietude e que decide conversar com o professor.

Com um ritmo elegante, atento aos detalhes, propondo uma soberba recriação de época, socorrendo-se ainda de uma espantosa direcção de fotografia, Tom Ford revela nesta sua estreia no cinema um talento natural para a realização. Sobretudo conhecido pelo seu trabalho no universo da moda (em concreto nas casas Gucci e Yves Saint Laurent), Tom Ford foi uma das grandes revelações do cinema de 2009, tendo, com A Single Man, merecido o Queer Lion em Veneza. Não tenhamos dúvidas de que aqui mora um dos melhores filmes que vamos ver passar pelos nossos ecrãs este ano.



Imagens do trailer de A Single Man.

PS. O filme está nas salas portuguesas com o título (de tradução nada feliz) Um Homem Singular.