domingo, janeiro 31, 2010

Sob o signo de Mahler

GUSTAV MAHLER: Sinfonia Nº 9, em Ré maior
Orquestra Gulbenkian
Bertrand de Billy (maestro)
FUNDAÇÃO GULBENKIAN: 28 e 29 de Janeiro

N. G.: Composta num momento em que as ondas de choque das primeiras convulsões de uma nova música começavam a fazer-se notar no coração da Europa musical, a 9ª Sinfonia de Mahler nasce como um espaço de reflexão (e talvez conflito) entre visões de duas realidades distintas. Por um lado a herança do romantismo (e até de formas mais antigas, como o segundo andamento parece indicar). Por outro, e como se sente no complexo primeiro andamento, os primeiros sinais de uma nova inquietação (que tinha já a cidade de Viena como um dos principais pólos de invenção). Foi portanto um desafio o que Mahler então tomou em mãos. Desafio que faz desta uma das suas mais interessantes sinfonias e, igualmente, uma das que mais exige de quem a leva da partitura ao som.
O maestro Bertrand de Billy, cuja obra em disco apresenta já abordagens à música de nomes como Wagner, Gershwin, Berlioz, Beethoven, Richard Strauss e, mais recentemente, Dvorák, enfrentou com a Orquestra Gulbenkian uma nona onde (na primeira noite) se sentiu como do progressivo estabelecer de uma relação com a música, ao avançar dos compassos, se definiu um tom de intimidade e confiança que o fez terminar a noite com merecida aclamação. A tensão, que se desenha entre metais e cordas no primeiro andamento sugeriu um clima de expectativa, cativando uma plateia que, tal como a orquestra, foi vencendo o desafio que o próprio Mahler terá enfrentado quando compôs esta sinfonia entre 1908 e 1909 (a última que completou).

J. L.: Comemorando-se em 2010 os 150 anos do nascimento de Gustav Mahler (a 7 de Julho de 1860), teve especial significado ouvir a sua 9ª Sinfonia para, por assim dizer, inaugurar um ano necessariamente mahleriano. Há nela o assombramento de um mundo em decomposição (mundo histórico e mundo musical), tanto mais carregado de simbolismo quanto a sua primeira apresentação pública — a 26 de Junho de 1912, no Festival de Viena, com Bruno Walter a dirigir a Filarmónica de Viena — ocorreu já depois do falecimento do compositor (a 18 de Maio de 1911). E se o primeiro andamento, Andante comodo, joga em dissonâncias e contrastes onde, agora, podemos ler, em forma cristalina, as diferenças entre século XIX e século XX, o quarto, Adagio, encerra a obra em clima de introspecção, quase quietude, em tudo e por tudo atípico face às matrizes sinfónicas do passado. A suprema actualidade de Mahler provém do génio dessa visão em que a consciência dos contrários é, não a barreira, mas o motor da própria criatividade artística — actualidade estética, política e simbólica.

"Wall Street": novos contos do dinheiro

Em 1987, no filme Wall Street, Oliver Stone filmou Gordon Gekko, corretor da bolsa novaiorquina, celebrando o lema greed is good, qualquer coisa como a ganância é uma coisa boa. Vinte e três anos depois, está pronta a sequela Wall Street: Money Never Spleeps — e Gekko reavalia o seu ponto de vista: "Alguém me recordou que, uma vez, eu disse que 'a ganância é uma coisa boa'; agora, parece ser legal...". Eis uma nova frase emblemática que podemos descobrir no trailer [em baixo] do novo filme de Stone, com Michael Douglas (a retomar a personagem de Gekko) e Shia LaBeouf. A estreia está anunciada para 22 de Abril.

Pierre Vaneck (1931 - 2010)

A Ciência dos Sonhos (2006), de Michel Gondry, foi um dos últimos filmes em que vimos Pierre Vaneck [foto]; Dois Dias para Esquecer (2008), de Jean Becker, seria o seu derradeiro trabalho para cinema e valeu-lhe a sua única nomeação para os Césares (na categoria de actor secundário) — nascido a 15 de Abril de 1931, em Lang Son, no Vietname, Vaneck faleceu a 31 de Janeiro, na sequência de uma operação cardíaca. Veterano da indústria cinematográfica francesa, foi quase sempre um secundário, discreto e seguro, acabando por ser mais conhecido do público (francês) através das suas muitas participações televisivas. Se Paris Falasse (1955), de Sacha Guitry, e Paris Já Está a Arder? (1966), de René Clément, contam-se entre as produções mais importantes em que participou. Foi um dos nomes principais do elenco de As Ilhas Encantadas (1965), de Carlos Vilardebó, onde contracenou com Amália Rodrigues.

De Billy Wilder a "Mad Men"

A série Mad Men é um caso exemplar de relação com o património cinéfilo de Hollywood — este texto foi publicado no Diário de Notícias (30 de Janeiro), com o título 'Cinefilia televisiva'.

Um dos aspectos mais interessantes da série Mad Men (a segunda temporada está a passar na RTP2, a primeira já existe em DVD) é também um dos menos comentados. Ou seja: as suas raízes cinematográficas e, em particular, a sua ligação às convulsões temáticas dos anos 50/60 na produção de Hollywood.
Para nos ficarmos por uma referência emblemática, lembremos esse filme de génio que é O Apartamento, de Billy Wilder, com Jack Lemmon e Shirley MacLaine. Distinguido com cinco Oscars (incluindo o de melhor filme de 1960), O Apartamento aborda, em tom de “comédia dramática”, a mesma conjuntura social e simbólica que está presente em Mad Men: tudo acontece nesse mundo de escritórios da grande metrópole novaiorquina em que se vive uma agitada transfiguração de padrões de trabalho e consumo, ao mesmo tempo que são abaladas as tradicionais relações entre homens e mulheres. Que a série concebida por Matthew Weiner tenha estas memórias cinéfilas, eis um esclarecedor sintoma: o melhor da televisão contemporânea não está nas novelas infinitamente repetidas nem na histeria dos concursos.

Novas molduras para velhos quadros

Este texto foi originalmente publicado na edição de 16 de janeiro do DN Gente com o título 'Quadros que inspiram uma nova exposição'.

Uma das questões que nos dias de hoje regularmente se coloca nos universos da música clássica leva solistas, pequenos grupos, maestros e orquestras a reflectir sobre como se pode abordar sob novo ângulo todo um corpo de obras já interpretadas vezes sem conta... No plano da interpretação surgem inevitáveis marcas de personalidade, por vezes descobrindo novos caminhos e entoações que dão corpo a essa sensação de novo. Mas é também possível inovar em outras frentes. E o norueguês Leif Ove Andsnes encontrou, no ano passado, uma possível resposta para esta questão.

O muito premiado pianista já viu por diversas vezes as já referidas marcas de identidade interpretativas na sua relação com o piano (e com obras vários compositores) a vincar essa natural busca pela novidade. Porém, para enfrentar uma série de plateias, levando consigo os célebres Quadros Numa Exposição de Modest Mussorgsky (1839-1881), aceitou um desafio que lhe valeu pelo caminho alguns momentos de dúvida: trabalhar com um artista de graffiti. Ou seja, aliar uma música do século XIX às visões de uma figura associada a uma expressão visual característica da cultura urbana dos nossos dias e que musicalmente se expressa, geralmente, através do hip hop. Parecia, de facto, o mais improvável dos casamentos. E Robin Rhode, um sul-africano de 33 anos, com obra internacionalmente reconhecida desde inícios dos anos zero, tinha até então uma relação com a música em comprimento de onda claramente afastado de terreno clássico. De resto, no documentário que acompanha a edição de Pictures Reframed, vemos o momento em que, logo num primeiro encontro, o artista plástico mostra a música que ouve ao pianista. Sem surpresas... é mesmo hip hop.

Apesar das incógnitas em jogo, Leif Ove Andsnes aceitou enfrentar o desconhecido. Há pouco tempo tínhamo-lo visto sentado ao piano, à beira de um alto penhasco num fjord na sua Noruega natal, em imagens que correram mundo em Ballad For Edward Grieg (ed. em DVD pela EMI Classics). Convenhamos que, desta vez, a vertigem poderá, a início, ter sido eventualmente maior...

Filho de professores de música, nascido em Karmoy (Noruega) em 1970, Leif Ove Andsnes (à esquerda na imagem) formou-se em Bergen, num conservatório com o nome de Grieg, compositor norueguês de cuja música desde cedo admirou e divulgou. Começou a tocar frente a plateias internacionais bem cedo, desenvolvendo um estilo próprio que diz ter sido influenciado, entre outros, por Sviatoslav Richter, Arturo Benedetti e Dinu Lipatti. Hoje é professor em várias escolas de música, de Olso e Copenhaga. Vive entre Bergen e a capital dinamarquesa, embora passe mais noites por ano entre hotéis, aviões e comboios, respondendo às solicitações de sucessivas digressões. Quando tem tempo livre passa pela sua casa de montanha na região de Hardanger (Noruega). E, de Verão, está por Risor, durante o festival de música de câmara que, ano após ano, tem colocado a pequena localidade norueguesa no mapa dos grandes acontecimentos musicais à escala global.

Natural da Cidade do Cabo (África do Sul), onde nasceu em 1976, Robin Rhode vive e trabalha em Berlim. O primeiro encontro entre o pianista e o artista plástico (cuja obra parte de ideias da cultura do graffiti) teve lugar em 2007 na Haus der Kunst, em Munique, quando o sul-africano apresentava a exposição Walk Off.

O projecto de ligar a música de Mussorgsky às novas imagens foi crescendo em paralelo, e pelo caminho com momentos de alguma angústia para o pianista. Robin, que nunca tinha visto um concerto de música clássica, ouviu a dada altura Leif a tocar, para si, num auditório de cadeiras vazias. Robin teve algumas outras exposições pelo caminho. E Leif, além da agenda de concertos, foi preparando a digressão que levaria para a estrada Pictures Reframed. Pelo caminho passou por Londres, onde em Dezembro de 2008 gravou, no Henry Wood Hall, uma versão em estúdio de Quadros Numa Exposição.
Pictures Reframed revelava-se, no final de toda a digressão, uma etapa feliz na vida do pianista. Próximo episódio? O Concerto Para Piano N.º 4 de Rachmaninov, que em Maio irá gravar com a London Symphony Orchestra.

Três exemplos de imagens criadas por Robin Rhode para acompanhar Quadros Numa Exposição, de Mussorgsky, por Leif Ove Andsnes.


Imagens de um filme promocional de Pictures Reframed, com entrevistas com ambos os artistas e olhares de bastidores sobre a criação deste projecto comum.

Sundance 2010: os vencedores

Foram divulgados esta noite os vencedores da edição 2010 do Festival de Sundance, revelando o filme Winter’s Bone (na imagem), de Debra Granik, como o grande vencedor, conquistando o Grand Jury Prize: Dramatic. O filme foi também distinguido com um prémio pela escrita do argumento. O prémio do júri, na categoria dos documentários, foi atribuído a Restrepo, de Sebastian Junger e Tim Hetherington. Os prémios de realização, para cineastas americanos, foram entregues a Eric Mendelsohn (por 3 Backyards) e a Leon Gast (por Smash His Camera), respectivamente nas categorias de ficção e documentário. O filme boliviano Zona Sur, de Juan Carlos Valdivia venceu prémios para realização e argumento.

Ver a premiação completa aqui.

Realizadores premeiam Kathryn Bigelow

O filme Estado de Guerra, de Kathryn Bigelow, venceu o prémio da Directors Guild of America. E coloca assim a realizadora numa posição de destaque para os Oscares. A premiação da Directors Guild Of America distinguiu ainda, entre outros, Louis Psihoyos pelo documentário The Cove e a equipa de Lesli Linka Gatter pelo seu trabalho na série Mad Men.

Em conversa: Tiago Sousa (4/4)

Foto: Vera Marmelo

Concluímos hoje a publicação integral de uma entrevista com Tiago Sousa, que serviu de base ao artigo “A música como forma de dizer aos outros quem é Tiago Sousa” publicado no DN a 14 de Dezembro, apresentando o álbum Insónia.

Acredita que o seu disco possa trazer novos públicos a esta música? E eventualmente despertar curiosidade sobre as músicas que ajudaram a descobrir o caminho para chegar a esta?
É uma contribuição que faço. E nas conversas que tenho com os amigos acabo por falar sobre o que estou a ouvir e ler...

Quais foram as descobertas recentes que mais o marcaram?
Houve primeiro os impressionistas e alguns românticos, não tanto o Liszt mas mais um Chopin. Ele tem uma simplicidade na forma como constrói a melodia e depois faz muitos artefactos ali à volta. Mas a melodia é bastante forte. Entre os mais contemporâneos poderia referir os minimalistas, mas na sua fase mais obscura. Falo de um Terry Riley, um La Monte Young. Neste disco ainda não está expresso, mas nos próximos haverá mais música do mundo.

Sente a música como uma experiencia mais emocional ou racional?
As melhores interpretações da minha música acontecem quando estou em casa, quando não estou com mais nada na cabeça. Aquilo é o que estou a pensar. Nesse momento consigo transportar a emoção que tenho na música que fiz. Esse carácter é uma coisa que me interessa cada vez mais atingir e transpor para os concertos. Conseguir abstrair-me que estão pessoas e concentrar-me na interpretação dessas peças.

Como lida com o acto de criar?
Tenho dificuldade em descobrir em que momento aquela música nasceu. É construir e desconstruir...

Por ensaio e erro?
Sim... Por tentativa, por improvisação muitas vezes. Ultimamente ando a focar-me mais na escrita na música e assim consigo chegar a um carácter mais sofisticado. Mas a forma como o primeiro momento musical surge e daí parte uma ideia para uma música… Para mim é difícil de dizer onde nasce... Há uma melodia que se improvisa, dessa se calhar faço um arranjo... Depois penso como está... Depois olho e acho que estou a complicar... Há um processo de por e tirar...

E quando acaba?
Nunca se sabe. Por isso gosto de experimentar as coisas ao vivo...

Do telhado para um single

Discografia Beatles - 55
'Get Back' (single), 1969

Em Abril de 1969 chega a single uma canção que, poucos meses antes, integrara o set list daquela que seria a derradeira actuação pública dos Beatles (em concreto no telhado da sede da Apple, numa situação criada para um filme que então rodavam). Get Back, a canção que surgia no lado A do novo single, tinha começado a surgir durante as sessões de gravação encenadas nos estúdios de Twickenham, sob o olhar atento de câmaras de filmar. A canção surgiu de uma vontade em reencontrar as raízes rock’n’roll que em tempos tinham ocupado espaço de maior protagonismo na sua agenda musical. E contou com a presença de Billy Preston, força criativa depois reconhecida na definição da forma final de Get Back, e representou o único momento na discografia do grupo em que alguém exterior ao grupo partilhou créditos de autoria. No lado B do single surgia Don’t Let Me Down, mais um exemplo de uma reaproximação com os códigos genéticos do rock’n’roll. O single atingiu o número um em diversos países, entre os quais o Reino Unido e EUA.

sábado, janeiro 30, 2010

Scorsese filma "Hugo Cabret"

Este é Hugo Cabret, personagem central do livro The Invention of Hugo Cabret, escrito e desenhado por Brian Selznick — nele se conta a história de um órfão de 12 anos que, por volta de 1930, vive nos recantos de uma estação de caminho de ferro, em Paris, num ambiente que evoca de forma muito directa o mundo de imagens de Georges Méliès.
Publicado em 2007, distinguido em 2008 com a Randolph Caldecott Medal (para as melhores ilustrações de um livro infantil), Hugo Cabret vai chegar ao cinema através de Martin Scorsese. De novo com a chancela de Graham King (produtor de The Departed/Entre Inimigos), Scorsese trabalhará a partir de uma adaptação escrita por John Logan (argumentista de O Aviador). Embora não seja ainda conhecido o elenco, a rodagem de The Invention of Hugo Cabret deverá arrancar no próximo mês de Junho, em Londres, estando também envolvida na produção a Infinitum Nihil, de Johnny Depp. Na prática, isto significará um atraso em dois outros projectos do cineasta: Silence, segundo o romance de Shusaku Endo, e o filme biográfico Sinatra. O mais recente trabalho de Scorsese — Shutter Island, com Leonardo DiCaprio, segundo o romance homónimo de Dennis Lehane — vai ter a sua estreia mundial no Festival de Berlim (11/21 Fevereiro), surgindo a 25 de Fevereiro nos ecrãs portugueses.

"Anticristo": o último reduto

Cartaz de ANTICRISTO
para o
Fantastic Fest 2009 (Austin, Texas)

Anticristo é um desafio radical às formas correntes de abordagem das relações homem/mulher — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 de Janeiro), com o título 'Regras para olhar a beleza', a par de uma evocação das polémicas que o filme tem suscitado e ainda um ponto de vista de sinal contrário, assinado por Eurico de Barros.

De que falamos quando falamos de uma mulher? E, em particular, no interior de um casal, do modo como o homem vê a mulher? Sabemos do que se fala à nossa volta. No imaginário da imprensa cor de rosa, todos os dias duplicado pelas telenovelas, ser masculino é qualquer coisa que se confunde com o coleccionismo (de mulheres). Além do mais, todos fingem acreditar que a “família” é uma espécie de chave automática para a felicidade eterna.
Neste contexto, Anticristo é um filme necessariamente chocante. No sentido mais básico: desafia algumas ilusões universais. Primeiro, porque o homem tem medo e tenta domar as sombras que habitam a mulher (esse continente negro de que falava o pai da psicanálise). Depois, porque a mulher reage de forma brutal, estranha a qualquer padrão romântico. Filme realista, então? Bem pelo contrário: Lars von Trier encena uma fábula adulta, e para adultos, em que o cinema triunfa como último reduto de espiritualidade. Filme contra o seu próprio tempo? Claro que sim. Há uma nudez cristalina, não física, mas íntima, na exposição de Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe ao olhar da câmara. C’est la vie: a beleza é sempre difícil de olhar de frente.

David Bowie, 1967 (2)

Continuando a revisitar o álbum de estreia de David Bowie, editado em 1967, passamos hoje por um outro single dele extraído. Trata-se de Rubber Band, canção que vinca uma ideia pop que o músico então explorava, cruzando formas contemporâneas com marcas e heranças do teatro musical de outros tempos. O filme promocional rodado para acompanhar esta canção sublinha mesmo essa relação com imagens características da memória dos musicais do início do século XX. Já a capa que ilustra o post é a de uma antologia editada nos anos 90, na qual se reúne parte significativa das canções que Bowie gravou não apenas no álbum mas nos singles que imediatamente se lhe seguiram.


David Bowie
‘Rubber Band’ (1967)

E o submarino chega ao cinema

Discografia Beatles - 54
'Yellow Submarine' (álbum), 1969

A banda sonora de Yellow Submarine, novo filme dos Beatles (desta vez em animação), chegou às lojas em Janeiro de 1969, dois meses depois do lançamento do álbum branco. A ainda evidente vitalidade do álbum branco foi uma das possíveis explicações para o facto de Yellow Submarine ter conhecido uma reacção de menor entusiasmo face a outros títulos do grupo. No Reino Unido, a banda sonora só não chegou ao primeiro lugar nas vendas de álbuns, precisamente porque essa posição estava ainda tomada por The Beatles… Na verdade Yellow Submarine é um álbum atípico, apenas o lado A contendo canções dos fab four, no lado B surgindo o score orquestral, trabalhado por George Martin, usado no próprio filme. Entre as canções do lado A apenas duas – All Together Now e Hey Bulldog – foram especificamente escritas para o filme, as restantes provindo essencialmente de temas ainda inéditos nascidos em sessões de gravação entre 1967 e 68. Já o tema-título tinha sido originalmente lançado como single em 1966.

sexta-feira, janeiro 29, 2010

"Invictus": Clint Eastwood entre heróis

Clint Eastwood, Morgan Freeman (no papel de Nelson Mandela) e Matt Damon (François Pienaar, capitão da selecção râguebi da África do Sul na Taça do Mundo de 1995): é este o trio de Invictus — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 de Janeiro), com o título 'Ainda há heróis humanos?'.

Sempre que surge um filme centrado numa actividade desportiva, uma onda de pessimismo percorre alguns sectores da distribuição/exibição e até do próprio jornalismo: estarão os espectadores interessados nas especificidades de um determinado jogo? Lembro-me de tais dúvidas a propósito do belíssimo Campo de Sonhos, de Phil Alden Robinson, sobre a insólita construção de um campo de basebol. Foi um dos grandes sucessos do Verão americano de 1989, mas não se trata de endeusar a estatística (para a exploração demagógica dos números das bilheteiras, já basta o que basta). O que interessa avaliar são os acontecimentos e personagens com que, através do desporto, somos confrontados.
Assim, não creio que a nossa relação com Invictus dependa do maior ou menor conhecimento que possamos ter do râguebi, nem sequer da memória da vibrante Taça do Mundo de 1995, na África do Sul. Num mundo dominado por heróis mais ou menos virtuais, não poucas vezes caracterizados pela mera força bruta, a questão colocada por Clint Eastwood é de outra natureza. E a candura da respectiva formulação está longe de apagar a sua importância simbólica. Ou seja: será que ainda nos interessamos por heróis humanos?
Invictus não é um filme de super-heróis, muito menos de explosões mais ou menos digitais. É, isso sim, a história comovente de dois homens, Nelson Mandela (Morgan Freeman) e François Pienaar (Matt Damon), que percebem as intensidades de um momento em que o râguebi pode ser, de uma só vez, um factor de união nacional e um princípio, escasso mas essencial, para lidar com os traumas de um passado comum. Clint Eastwood preserva, deste modo, os valores clássicos de Hollywood que encarnam na referência tutelar de John Ford: até prova em contrário, a história continua a ser feita por gente de carne e osso.

Uma canção a cores

Foi deles o teledisco com as passadeiras de ginásio que fez história há quase quatro anos. De regresso aos discos, os OK GO mostram novamente uma rara capacidade em compreender o poder da imagem, em mais um daqueles telediscos que sabem cativar atenções. Ao som de WTF, um trabalho notável de tratamento de imagem, com uma valente colecção de cores ao serviço de uma canção.

Panda Bear edita 'Tomboy' em Setembro

Noah Lennox já revelou qual será o título do álbum que vai editar este ano a solo, como Panda Bear. O sucessor de Person Pitch chamar-se-á Tomboy e deverá ser editado em Setembro.

Sundance 2010 (dia 9)

Passa hoje em Sundance um documentário que pode fazer história e que, revelado no momento em que se assinala o 65º aniversário da libertação de Auschwitz, mostra como ainda há narrativas por contar sobre o Holocausto. Assinado por Yael Hersonski, A Film Unfinished é, em primeiro lugar, um olhar sobre um outro filme. Um filme de propaganda rodado por nazis no gueto de Varsóvia. Um filme que, depois da guerra, foi encontrado inacabado e que se transformou numa fonte de imagens para historiadores. Uma bobina descoberta mais tarde revelou outras imagens, diferentes, mostrando outra face da realidade. O que A Film Unfinished mostra é não apenas a memória destas imagens mas também as reacções de sobreviventes do gueto e até mesmo um dos operadores de câmara que havia participado nesta produção.

Sundance vê hoje o filme argentino El Hombre Al Lado. Realizado por Mariano Cohn e Gastón Duprat, narra a história de um designer industrial de sucesso que vive com a família numa casa de visionária arquitectura. Um dia acorda com um ruído no ar… E descobre que, na casa ao lado, uma equipa de pedreiros está a abrir uma janela directamente em frente da sua casa… Protesta usando todos os argumentos, o vizinho na verdade mais não querendo que apenas um raio de luz…

Joel Schumacher dirige actores como Chance Crawford, Emma Roberts, Rory Culkin, Curtis ’50 Cent’ jackson e Keifer Sutherland em Twelve, filme que hoje passa pela primeira vez em Sundance. Baseado no romance homónimo de Nick McDonell é um olhar sobre vidas de uma classe priveligeiada no Upper East Side de Manhattan. Em concreto segue os passos de Mike, a quem são reconhecidas enormes potencialidades, mas que se afasta das aulas para vender marijuana aos seus amigos e colegas.

Nova história (velhos ingredientes)

O mais recente volume das aventuras de Blake & Mortimer apresenta a primeira parte de mais uma história com os característicos ingredientes que sempre envolveram estas personagens de referência na história da BD, criadas por Edgar P. Jacobs. O livro foi editado simultaneamente em Portugal, França e Bélgica em finais de 2009 e apresenta-se com o título A Maldição dos 30 Denários – O manuscrito de Nicodemus.

O livro está disponível entre nós em duas edições. Uma deles (capa à direita) sendo exclusiva das lojas Fnac. O livro teve uma génese algo atribulada. O texto é uma vez mais assinado por Jean Van Hamme. Os desenhos foram iniciados por René Sterne, a sua morte a meio do projecto obrigando Chantal de Spiegeleer (a sua companheira) a terminar o trabalho… A narrativa leva-nos desta vez à Grécia e à descoberta de mais um tesouro mítico (o que estabelece imediatas correlações com o genial O Mistério da Grande Pirâmide, um dos melhores títulos da obra de Jacobs). A descoberta não é mais que um manuscrito histórico que relata a guarda de um tesouro bíblico: os 30 denários com que Judas traíra Jesus. Um desses denários está em poder de um museu ateniense, fechado num cofre metálico que protege o mundo à sua volta de poderes inexplicáveis que a moeda possui… Contudo, e não podiam faltar “maus da fita” nesta história, entra em cena um vilão novo (que inevitavelmente acabará com Olrik como side kick). É um antigo oficial alemão cujo paradeiro havia desaparecido desde o final da II Guerra Mundial… Vestindo agora a pele de um milionário, procura os 30 denários. E neles deposita um sonho já experimentado por outros em anteriores aventuras de Blake & Mortimer: dominar o mundo

Bowie ao vivo (8)

Mais um episódio na história das edições de discos ao vivo de David Bowie, Santa Monica 72 só no ano passado teve finalmente honras de edição “oficial”, após longa existência como um dos mais populares bootlegs da obra do músico. O título deixa claro o onde e quando. Santa Monica, na Califórnia, em 1972, ou seja, em plena Ziggy Stardust Tour. O alinhamento é diferente do apresentado no filme (e depois disco) Ziggy Stardust: The Motion Picture, e a qualidade do som bem melhor.

A morte da Miramax

Os estúdios de cinema também morrem: por decisão da Disney, sua proprietária desade 1993, a companhia Miramax acabou. Com o respectivo encerramento, motivado por sucessivos falhanços comerciais, são oito dezenas de pessoas que vão para o desemprego, terminando um capítulo tão glorioso quanto acidentado que ajudou a redefinir o conceito de independente no interior da indústria americana.
Fundada em 1979 pelos irmãos Harvey e Bob Weinstein, a Miramax soube explorar de forma particularmente eficaz o conceito de cinema arthouse ("arte e ensaio", de acordo com a gíria europeia caída em desuso), sem nunca perder de vista uma aguerrida presença nos mercados. Disso são exemplo títulos que a Miramax produziu e/ou distribuiu, como Sexo, Mentiras e Video (Steven Soderbergh, 1989), Na Cama com Madonna (Alek Keshishian, 1991), Cães Danados (Quentin Tarantino, 1992), O Piano (Jane Campion, 1993) e Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 1994). Tal estratégia teria os seus momentos de máxima consagração com O Paciente Inglês (Anthony Minghella, 1996), A Paixão de Shakespeare (John Madden, 1998), e Chicago (Rob Marshall, 2002), os três vencedores do Oscar de melhor filme do ano. Este País Não É Para Velhos (Joel e Ethan Coen, 2007) conseguiria também o Oscar de melhor filme, mas já noutra conjuntura: por um lado, o filme foi coproduzido com a Paramount Vantage; por outro lado, a Miramax passara totalmente para a Disney, uma vez que, em 2005, crescentes desentendimentos com a sua gestão tinham levado à saída dos Weinstein (formando a Weinstein Company).
Nos últimos dias, ainda se especulou sobre o eventual interesse dos Weinstein em voltar a adquirir a Miramax. Mas agora é um facto consumado. Resta saber se o património de mais de duas centenas de títulos vai continuar nas mãos da Disney ou poderá ser negociado. E também qual será o destino de seis projectos cuja produção estava em andamento, incluindo uma nova adaptação de Shakespeare, The Tempest, por Julie Taymor (Frida, Across the Universe), com Helen Mirrem, David Strathairn e Djimon Hounsou.

>>> 'Miramax dies: rest in peace', The Wrap.
>>> Site oficial da
Miramax.
>>> Site oficial da
Weinstein Company.

quinta-feira, janeiro 28, 2010

J. D. Salinger (1919 - 2010)

“If you really want to hear about it, the first thing you’ll probably want to know is where I was born and what my lousy childhood was like, and how my parents were occupied and all before they had me, and all that David Copperfield kind of crap, but I don’t feel like going into it, if you want to know the truth.”

Esta é, por certo, uma das mais célebres aberturas de romances (americanos ou não). Nas primeiras linhas de The Catcher in the Rye (1951), J. D. Salinger projecta-nos na pessoalísima narrativa de Holden Caulfield, um jovem de 16 anos cujas aventuras em Nova Iorque — descritas e vividas de forma crua e cáustica — se transformariam numa montra simbólica da geração do pós-guerra a crescer em ambiente de grandes abalos familiares e sociais e, num plano mais geral, sob o signo da Guerra Fria. Nascido a 1 de Janeiro de 1919, em Nova Iorque, Salinger — de seu nome completo Jerome David Salinger — faleceu no dia 27 de Janeiro na sua casa de Cornish, New Hampshire.
Não tem nada de casual o facto de quase todas as notícias da morte de Salinger serem ilustradas pela mesma fotografia (datada de 1950), aqui reproduzida. De facto, ele foi um caso extremo de resistência à exposição pública, tendo vivido em Cornish desde 1953, recusando ser fotografado ou dar entrevistas, e protagonizando algumas batalhas legais para defesa da sua privacidade. Depois de A Catcher in the Rye — traduzido entre nós, primeiro como Uma Agulha no Palheiro (Livros do Brasil, 1983) e mais tarde À Espera no Centeio (Difel, 2005) —, publicou Nine Stories (1953), Franny and Zooey (1961) e Raise High the Roof Beam, Carpenters and Seymour: an Introduction (1963). Em 1949, Hollywood adaptou uma das suas histórias, Uncle Wiggily in Connecticut, com o título My Foolish Heart/Meu Louco Coração, com Susan Hayward e Dana Andrews nos principais papéis e realização de Mark Robson — rezam as crónicas que Salinger terá ficado profundamente descontente com os resultados.
Hapworth 16, 1964, conto incluído na edição de 19 de Junho de 1965 de The New Yorker, é o seu derradeiro trabalho publicado (ao todo, a revista acolheu treze dos seus contos) — como outras narrativas do autor, centra-se na família Glass, uma espécie de câmara de eco de uma linha temática vital na obra de Salinger: a arbitrariedade da organização do quotidiano e o misto de ordem e desordem que as palavras faladas podem conter ou atrair.

>>> Obituário no New York Times.
>>> Memórias de J. D. Salinger em
The New Yorker.
>>> Sobre J. D. Salinger:
Time (15 Set. 1961).

Flora Sigismondi filma The Runaways

É um dos muitos ecos que nos chegam do Festival de Sundance: The Runaways evoca a banda rock homónima, um fenómeno all-girls da década de 70, com as figuras lendárias de Joan Jett e Cherie Currie interpretadas, respectivamente, por Kristen Stewart e Dakota Fanning. A realização é de Floria Sigismondi, canadiana nascida em Itália (Pescara, 1965), brilhante especialista na área dos telediscos. Aqui ficam o trailer do filme e ainda The Raconteurs filmados por Sigismondi em Broken Boy Soldier (2006).



Jorge Fontes (1934 - 2010)

[imagem CDGO]

Figura essencial na história da guitarra portuguesa, Jorge Fontes faleceu no dia 26 de Janeiro à saída da sua residência na Damaia — contava 75 anos. Nascido em Carvalhos, Vila Nova de Gaia, foi viver para Lisboa nos anos 50, na sequência da sua participação no programa Festa da Rádio, em que acompanhava Alberto Ribeiro. Teve uma carreira com presenças regulares na RTP e também no estrangeiro, em particular junto das comunidades portuguesas. Na sua vastíssima discografia, encontram-se, por exemplo, colaborações com Amália Rodrigues, Fernando Farinha, Tristão da Silva, Ada de Castro e Maria da Fé. Para além do fado, deu o seu contributo a registos de José Afonso (Cantares, 1964), Quim Barreiros (Folclore Minhoto, 1971) e António Variações (Dar & Receber, 1984). As Minhas Variações em Lá e O Que Me Disse a Guitarra, composições de sua autoria, integram o seu derradeiro álbum, lançado em 2007.

>>> Esta montagem de capas de discos de fado encontra-se disponível no YouTube, tendo como tema a Canção para Minha Mãe, composta e interpretada por Jorge Fontes.

Discos da semana 2010 (3)

Passaram quase quatro anos (e alguns EPs) desde a edição de He Poos Clouds, o segundo álbum que Owen Pallett editou sob a designação Final Fantasy e que, para todos os efeitos, é ainda a sua obra de referência. Reflexo de um período na sua vida em que escutava quartetos de cordas e reflectia sobre as canções de Schumann, esse álbum de 2006 surgia assim como uma expressão actual daquilo em tempos definia os “ciclos” de canções… Quase quatro anos depois, e após ter voluntariamente abandonado a designação Final Fantasy (à conta do que poderia ter sido um confronto com a marca que detém os videojogos com esse nome e que assim acabou sem “caso” a relatar), Owen Pallett vê a sua música a caminhar rumo a novo patamar, procurando agora o aprofundar de personalidade e referências no âmago da cultura pop… O músico, que nos últimos dois anos assinou arranjos para discis de figuras que vão dos Per Shop Boys e Last Shadow Puppets a Mountain Goats, escutava essencialmente pop electrónica (OMD e afins, em concreto) quando trabalhou as canções que agora revela em Heartland. E, apesar de manter firme um mesmo método de composição e de recorrer ao trabalho com orquestra, estas novas canções reflectem essa mesma vivência pop. Depois do experimentar de terrenos de Has A Good Home (2005) e das visões mais complexas e desafiantes ensaiadas em 2006 em He Poos Clouds, o novo Heartland é agora o seu grande álbum pop. É um disco de requintada gastronomia de formas e ideias, que na voz frágil e delicada conhece um protagonista que talha cenários e quadros feitos à medida das suas características. E é ainda um álbum feito de grandes canções que, mesmo sem a identidade transversal que acabava por unir o alinhamento de He Poos Clouds, falam em conjunto sob um tecto comum. Como em qualquer grande álbum pop.
Owen Pallett
“Heartland”

Domino / Edel
4 / 5
Para ouvir: MySpace


Poucos deram por eles quando, em 2006 se apresentaram com um primeiro álbum. Dois anos depois, o delicioso Devotion levou-os um pouco mais longe, cativando novos admiradores. E agora, que editam um terceiro álbum, os Beach House são a banda de que se fala em terreno indie (não fossem os Vampire Weekend, seriam “a” banda que mais teria marcado a entrada em cena de 2010). Teen Dream tem, contudo, argumentos suficientes para ser daqueles raros discos capazes de sobreviver a um ano que vai conhecer muitas mais edições de relevo. É um álbum de espantosas canções, todavia sem a necessidade de convocar uma agenda de grande novidade na sua abordagem à composição, uma vez que o duo pouco parece querer ir, por enquanto, além dos espaços que já visitara por ocasião do anterior Devotion, apostando antes no aprofundar de uma relação com o trabalho cénico e nas qualidades do som. Gravado num estúdio montado no espaço de uma igreja, Teen Dream segue as pistas antes conhecidas numa música que vive entre várias heranças (da pop luxuriante de uns Zombies ou do carácter dramático de uma Nico aos caminhos indie de finais de 80 e os domínios da canção magoada ao jeito de uns Mazzy Star), cruzando com invulgar capacidade marcas de luz num quadro a que não é estranha a melancolia que, de facto, circula entre as canções. O som do órgão, a voz de Victoria Legradnd e um sentido de espaço que envolve as canções demarcam já uma linguagem. E Teen Dream tem tudo para ser um dos “casos “ do ano.
Beach House
“Teen Dream”

Bella Union / Popstock
4 / 5
Para ouvir: MySpace


Já são sete os anos sem a edição de um álbum com inéditos de David Bowie. O que não quer dizer que tenham sido sete anos sem edições novas do músico. Na verdade, entre reedições com extras, discos ao vivo e antologias, a agenda editorial tem mantido com alguma regularidade o seu nome na agenda dos novos lançamentos. Todavia, de realmente “novo” pouco tem aparecido… E A Reality Tour, o álbum ao vivo que acaba de ser editado mais não nos apresenta senão um retrato da digressão que Bowie levava à estrada quando, em meados de 2004 foi submetido a uma cirurgia de urgência que não só amputou a digressão das suas datas finais (uma delas no Porto) como desde então o afastou dos palcos salvo em pontuais colaborações em concertos (como aconteceu ao lado dos Arcade Fire em Nova Iorque ou David Gilmour em Londres). Resultado de gravações no Point Theatre, em Dublin, em Novembro de 2003, o álbum duplo agora editado corresponde ao mesmo material já conhecido da edição em DVD de há seis anos, com três temas como extras… A gravação traduz o trabalho de uma sólida banda de palco, num alinhamento que toma o soberbo Heathen e o mediano Reality como protagonistas, com espaço também para incursões pelo passado mais remoto. É uma peça interessante para admiradores e coleccionadores. Mas convenhamos que, além de representar um registo áudio da sua última digressão, não traz argumentos que justifiquem muito mais atenções.
David Bowie
“A Reality Tour”

ISO/Sony Music
3 / 5
Para saber mais: site oficial


É impossível evocar a história dos grandes discos dos anos 90 sem evocar pelo menos um álbum dos Tindersticks (naturalmente o primeiro, o segundo não lhe ficando na verdade muito atrás). A década dos zeros viu contudo o grupo a perder gradualmente a sua vitalidade, repetindo cada disco formas e soluções em colecções de canções progressivamente menos interessantes, a carreira a solo de Stuart Staples, a dada altura, parecendo conceder cada vez menos espaço a um efectivo repensar de ideias… Dois anos depois de The Hungry Saw, os Tindersticks mostram agora em Falling Down From The Mountain aquele que talvez seja o seu melhor disco desde finais dos anos 90. O álbum, que representa a estreia do grupo na 4AD, não se limita a traduzir um entusiasmo reencontrado (talvez em parte fruto de mudanças na formação do grupo), como mostra uma abertura de horizontes da qual nasce espaço para ideias que vão da toada jazzy e contemplativa do extenso (e cativante) tema título ao sinfonismo de Piano Music, o instrumental que fecha uma série de novos temas onde não faltam as já conhecidas referências de sempre, todavia em canções que vão além de uma mera repetição de fórmulas, pontualmente revelando mesmo alguma luminosidade onde outrora pouco mais havia que sombras… Uma boa surpresa, portanto.
Tindersticks
“Falling Down From a Mountain”

4AD / Popstock
3 / 5
Para ouvir: MySpace


O maior problema que hoje Stephin Merritt carrega nos seus ombros é a expectativa que se gera a cada novo álbum dos seus Magnetic Fields que é anunciado. Os primeiros discos eram pequenos rebuçados feitos de grandes acontecimentos pop onde se cruzavam electrónicas, aventuras folk, piscadelas de olho à música de palco, em clima desenhado por um certo apelo lo-fi. O mítico álbum triplo 69 Love Songs, editado em 1999, elevou esta soma de ideias a um patamar de excelência, que todavia não mais se repetiu. Mais que os anteriores I e Distortion (discos respectivamente de 2004 e 2008, que deixaram de lado os sintetizadores em busca de outras ferramentas), o novo Realism é de todos os discos pós-69 Love Songs o que mais se aproxima desse paradigma na diversidade de sugestões, embora as canções revelem uma série de novas composições em regime mais do mesmo. Há na verdade uma diferença abissal entre este e esse outro mítico álbum de 1999: à excepção da faixa de abertura, Realism revela um lote de novas canções alguns furos abaixo do que aqui seria de esperar.
Magnetic Fields
“Realism”

Nonesuch / Warner
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Laura Veirs, Charlotte Gainsbourg, Kanye West (Storytellers), RJD2, Spoon, Georgie Fame (best of), Four Tet

Brevemente:
1 de Fevereiro: Hot Chip, Get Well Soon, Los Campesinos, Midlake, The Mary Onettes, Soft Pack, Album Leaf, Dakota Suite, Marina & The Diamonds, Ocean Colour Scene, Peter Von Poehl
8 de Fevereiro: Pantha du Prince, Massive Attack, Sade, Yeasayer, Gil Scott Heron
16 de Fevereiro: Pet Shop Boys (CD + DVD), Peter Gabriel, Blur (DVD), Field Music, Lightspeed Champion, Buggles (reedição), Shearwater, Philip Glass (opera)

Fevereiro: Ratatat, Kasper Bjorke, The Spinto Band, XiuXiu, Efterklang
Março: Jonsi Birisson, Ruby Suns, Goldfrapp, White Stripes, Titus Andronicus, Jimi Hendrix, Nathalie Merchant, Rogue Wave, Black Rebel Motorcycle Club, Liars, Josh Rouse, Love Is All, She + Him

PS. O texto sobre os Magnetic Fields é uma versão editada de uma crítica publicada na edição de 23 de Janeiro da revista NS.

Sem refrões, mas claro (e com ritmo)

Foto: Pete Souza (White House)

Foi o melhor momento mediático de Barack Obama desde a sua tomada de posse e também o seu melhor discurso desde os dias de campanha. No seu primeiro State Of The Union, contudo, foi um presidente e não um candidato quem falou. E as diferenças foram claras. A construção de um discurso (magistralmente escrito, diga-se) não mais seguiu a lógica quase musical de outros tempos. Sem refrões, mas mantendo um sentido de ritmo e arrumação das ideias que deixou claro todo o conjunto de reflexões, propostas e mesmo recados que Obama deixou a quem o escutava. Directo, duro por vezes nas palavras, mas sem nunca perder o seu característico sentido de humor.
Obama fez do emprego e da economia o seu objectivo primeiro. Isto sem deixar de manter na proa das atenções a reforma na saúde, falando também de importantes questões na área da educação, energia, ambiente ou segurança. Inclusivo, de facto, como revelara nos dias de campanha. Pediu a todos “união” na hora de resolver assuntos. Criticou os democratas por, perante a maior maioria que têm em ambas as câmaras em largos anos, se comportarem por vezes como se tal não existisse. Aos republicanos deixando também uma nota sobre a forma como têm feito oposição, responsabilizando-os assim igualmente quanto ao sentido da governação. E, referindo-se à palavra-chave da sua campanha, que quase nem empregou no discurso, lembrou que sabia que a “mudança” não seria fácil. Mas acrescentou que não era tarefa a solo sua. Mas de todos.
No final a CNN mostrava uma sondagem que dava 48% de opiniões classificando o discurso como “muito bom” e 30% como bom. Uns 78% de aprovação, portanto. Nota invulgar: não houve “boooos”, apesar de em alguns momentos de aplausos o som ter ficado apenas por parte dos democratas.

A CNN fez uma cobertura exaustiva do discurso. Pode ver aqui o discurso, comentários e reacções.

"Anticristo": um homem e uma mulher

Charlotte Gainsbourg filmada por Lars von Trier — a mulher de Anticristo é uma emanação da natureza e das suas contradições, ou um ser insondável que não encaixa em nenhum cenário natural?
Raras vezes o cinema terá sido tão cru — e tão cruamente poético — a colocar em cena esse enigma, e tanto mais quanto o faz a partir da perplexidade de um olhar masculino (Willem Dafoe) instalado na ilusão de repor alguma ordem na sua violência interior. Anticristo não é um filme realista, mas tem a intensidade de um realismo alheio à facilidade de qualquer naturalismo televisivo; não é uma narrativa fantástica, mas move-se como uma fábula metódica, dir-se-ia racional, sobre a ilusão da felicidade. Se quisermos ficar pelo lugar-comum destes tempos cansados, diremos que é um filme "polémico". Se tivermos energia para arriscar um pouco, talvez possamos dizer que é um filme capaz de desafiar os limites ontológicos do próprio cinema — e, desse modo, as crenças primitivas do espectador.

>>> Site oficial de Anticristo.
>>> Lars von Trier: entrevista no
New York Magazine.
>>> Sobre Anticristo: Philip French,
The Guardian.

quarta-feira, janeiro 27, 2010

"Film Comment": os melhores da década

A revista Film Comment decidiu propor uma lista dos melhores filmes da década através de um amplo inquérito internacional — mais de duas centenas de personalidades de todo o mundo (cineatas, críticos, investigadores, programadores, etc.) enviaram as suas listas. Mais do que isso: foi-lhes pedido que explicassem um pouco as suas opções, indicando ainda a personalidade (ou "coisa") que, para o melhor ou pior, marcou os primeiros dez anos do século XXI. Os resultados (e os textos) estão na edição de Janeiro/Fevereiro. Eis o top 10:

1. Mulholland Drive, de David Lynch (EUA, 2001)
2. In the Mood for Love, de Wong Kar Wai (Hong Kong, 2000)
3. Yi Yi, de Edward Yang (Taiwan/Japão, 2000)
4. Síndromas e um Século, de Apichatpong Weerasethakul (Tailândia/Áustria/França, 2006)
5. Haverá Sangue, de Paul Thomas Anderson (EUA, 2007)
6. A Morte do Sr. Lazarescu, de Cristi Puiu (Roménia, 2005)
7. Uma História de Violência, de David Cronenberg (EUA/Canadá, 2005)
8. Febre Tropical, de Apichatpong Weerasethakul (França/Tailândia/Alemanha, 2004)
9. 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, de Cristi Mungiu (Roménia, 2007)
10. The New World, de Terrence Malick (EUA, 2005)

Na lista de 100 títulos, surgem dois portugueses: Juventude em Marcha (28º) e No Quarto da Vanda (42º), ambos de Pedro Costa.

"A Bela e o Paparazzo": o estado das coisas

De que falamos quando falamos de cinema português? De que cinema falamos? E que relações tudo isso tem com o universo televisivo? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 de Janeiro), com o título 'Perdido por mil'.

Se é verdade que o Cinema Novo português herdou muito do imaginário da Nova Vaga francesa, creio que desde a sua primeira longa-metragem (Perdido por Cem, 1973), António-Pedro Vasconcelos terá tentado encontrar um lugar simbolicamente idêntico ao de François Truffaut: o de um cineasta que mantém uma voz pessoal, sem preconceitos de aplicar modelos de raiz popular. Não posso esconder que me choca que isso o tenha levado a demonizar o trabalho de alguém como Jean-Luc Godard, mas é um facto que a sua coerência e persistência são exemplares e exemplarmente respeitáveis. As diferenças decorrem, não do talento, mas da conjuntura de produção. Dito de outro modo: Truffaut filmava num contexto cujos mestres tinham nomes como Renoir, Guitry ou Franju; em Portugal, a mera sobrevivência económica do cinema continua duvidosa e o debate (?) cinéfilo permanece dominado pelo maniqueísmo do “pró-Oliveira” ou “contra-Oliveira”. Isto sem falarmos do facto de vivermos numa sociedade dominada por uma cultura televisiva que, todos os dias, marginaliza os valores cinematográficos.
A Bela e o Paparazzo é um sintoma, eufórico e angustiado, de tal estado de coisas. Ou seja: um filme que aposta em denunciar a ideologia da telenovela (incluindo a pornografia banal da imprensa cor de rosa), jogando nas convenções da... telenovela. Há nesta atitude qualquer coisa de salto para o abismo, a que não sabemos se reconhecer uma insólita cegueira simbólica ou uma comovente coragem sacrificial. António-Pedro, honra lhe seja feita, não perdeu algo que as telenovelas já nem tentam fingir: a paixão e o respeito pelo trabalho dos actores. Em todo o caso, como acreditar no romantismo desta história de clichés televisivos? Ou ainda: de que falamos quando falamos de cinema português?

Na intimidade de Beethoven

J.L.: Sob o signo de Ludwig van Beethoven, Maria João Pires [foto], a Orquestra Sinfónica de Londres e Sir John Eliot Gardiner reuniram-se para um concerto central na temporada 2009/2010 da Fundação Gulbenkian — foi no Coliseu dos Recreios (26 de Janeiro), perante um sala cheia, rendida à excelência dos intérpretes. O Concerto para Piano e Orquestra Nº 2, em Si bemol maior, op. 19, emergiu, assim, na vibração dos seus contrastes e subtilezas de diálogo interno, ao mesmo tempo preservando um clima essencial de intimidade — para o maestro e a pianista, importa não "dramatizar" a música de Beethoven, antes deixando-a exprimir as tensões que a habitam, por vezes com uma contenção que redobra as suas emoções. A primeira parte começara com a emblemática Egmont, Abertura, op. 84. Na segunda, o reencontro com a Sinfonia Nº 6, em Fá maior, op. 68, Pastoral, aconteceu ainda num registo de elaborada narratividade, como que expondo as camadas de uma ficção consolidada pelo tempo, pelas memórias, pelo permanente desejo de redescoberta. Ou como mesmo as obras mais conhecidas podem envolver a cristalina novidade da "primeira vez".

N.G: Um dos momentos maiores da obra discográfica de Sir John Eliot Gardiner (não esquecendo naturalmente as integrais em curso das cantatas de Bach e da obra sinfónica de Brahms, via Soli Deo Gloria, a editora por si criada) foi, em meados de 90, uma espantosa e cativante abordagem à integral das sinfonias de Beethoven, que gravou com a Orchestre Revolutionaire et Romantique para a Archiv. Uma gravação que estabeleceu então importante peça de referência na história das chamadas interpretações “de época”… Grande conhecedor, portanto, da obra do compositor, o maestro deixou evidente essa relação de profunda intimidade com a sua música ao dirigir ontem a London Symphony Orchestra (num programa que hoje é apresentado em Madrid e nos próximos dias passará por Paris, Frankfurt e Londres), contando com a presença de Maria João Pires para o Concerto para Piano Nº 2 (que fechou a primeira parte do programa). Com a pianista as subtilezas de uma espantosa escrita para piano ganharam vida no palco do Coliseu dos Recreios. Numa igualmente magnífica Sinfonia Nº 6 a música projectou com clareza todo um conjunto de quadros feitos de imagens e sensações que evocam o bucolismo rural que correu como “programa” descritivo para Beethoven e que sublinha, de resto, o nome pelo qual a obra é também conhecida: Pastoral. Os gestos de Eliot Gardiner, de discreta elegância, eram, tal como a música que ganhava forma sob a sua direcção, a perfeita materialização, em noite lisboeta de início do século XXI, de uma obra criada numa outra época e num outro lugar, as suas intenções atravessando assim de forma rara o tempo e o espaço.

Na terra dos sonhos

Hoje visitamos um dos discos de que (justificadamente) mais se fala neste momento. Trata-se de Teen Dream, o terceiro álbum assinado pelos Beach House. E ficamos com Silver Soul, um dos telediscos rodados para acompanhar este novo álbum, e que conta com realização de Victoria Legrand.

Battles começam a gravar novo álbum

Os Battles começaram a trabalhar num novo álbum, que deverá ser editado ainda este ano. Ainda sem título nem data de lançamento definidos, o disco foi idealizado na zona de Times Square, em Nova Iorque, segundo revelaram ao NME.

Sundance 2010 (dia 7)

Sundance assinala hoje a estreia nos EUA de um filme que já fez história em finais de 2009 no Reino Unido e cuja estreia em Portugal está agendada para breve. Trata-se de Nowhere Boy, assinado por Sam Taylor Wood, e não é mais que um olhar sobre os dias de juventude de John Lennon, quando ainda vivia em Liverpool com a sua tia e descobria na música um espaço de identificação maior…

Outra estreia norte-americana hoje em Sundance leva ao grande ecrã um dos “casos” mais recentes do cinema australiano. Trata-se de Bran Nue Dae, um musical de Rachel Perkins em espaço cultural (e geográfico) aborígene. O filme é mesmo a adaptação de um espectáculo musical de Jimmy Chi, tem a acção projectada em 1969 em torno de um jovem que foge de uma escola católica em Perth e parte de regresso à sua terra… Pelo caminho vai juntando companheiros de viagem, ao som de blues, rock’n’roll e piscadelas de olho aos musicais de Hollywood.

Estreado ontem em Sundance, Oddsac é apresentado como um “álbum visual” dos Animal Collective, com realização de Danny Perez. A novidade é, hoje, o seu trailer. Aqui fica ele:


Imagens do trailer de Oddsac, filme ontem estreado em Sundance.