domingo, dezembro 20, 2009

Do ecrã para a sala de concerto

O sucesso do trabalho conjunto entre o realizador Sergei Eisenstein e o compositor Segei Prokofiev em Alexandre Nevsky levou-os a arregaçar novamente as mangas perante um novo projecto histórico: um tríptico épico sobre a vida de Ivan IV (com o cognome O Terrível), o príncipe de Moscovo que se tornou no primeiro czar de todas as Rússias. Estávamos em 1941 e o apelo patriota que o filme sugeria, expressando a grandiosidade de uma cultura então sob a ameaça de guerra pelos alemães, e o retrato de um autocrata cuja visão justificara os meios empregues, agradou a Estaline. Rodado durante a guerra, Ivan, O Terrível (Parte 1) teve estreia em 1945 e chegou a vencer um prémio oficial. Já a segunda parte do filme, onde se questionava a visão e o uso do poder pelo czar, acabou na gaveta, proibido, e só estreado na recta final dos anos 50, já depois das mortes de Eisenstein, Prokofiev e Estaline. A terceira parte, inicialmente projectada, nunca chegou sequer a ser rodada.
Tal como em Alexandre Nevsky a música de Prokofiev desempenhou um papel fundamental no filme. Porém, ao contrário do que sucedera com esse outro filme, Prokofiev não adaptou a música que compusera para Ivan, O Terrível, para uma versão de concerto. Esse trabalho coube, já nos anos 60, a Abram Stassevich, que na verdade havia dirigido a orquestra na gravação da banda sonora. E é uma revisão dessa versão de concerto que regressa a disco, numa gravação recentemente remasterizada pela Chandos.

Originalmente lançada em disco em 1991, sob direcção de Neeme Järvi, a versão de concerto de Ivan, O Terrível, é na verdade uma segunda leitura da obra proposta em 1962 por Stassevich (que então juntara os elementos essenciais da música composta para o filme numa sequência que respeitava a própria evolução da narrativa). A nova leitura, por Christopher Palmer, libertava a versão de concerto original quer de uma narração quer de pequenos segmentos de música incidental que, como o próprio explica no booklet, “eram de interesse prokofieviano menor”. Esta leitura, que conhecera primeira gravação em 1991 pela Philarmonia Orchestra (e respectivo coro), dirigida por Järvi, com as vozes solistas de Lina Finnie e Nikita Storojev. A gravação traduz a essência quase operática da visão que Prokofiev levou ao filme de Eisenstein. Na verdade, além de compor peças temáticas que o realizador podia usar à volta das respectivas personagens ou ambientes, Prokofiev chegou a dar a Eisenstein uma série de peças já compostas para que a filmagem as tomasse na íntegra. Canções de festa, cantos nas cerimónias religiosas, e até mesmo verdadeiras árias saem assim da banda sonora para, aqui, se apresentarem com vida própria, consequente e coesa neste conjunto. E salvo a abertura, onde maestro e orquestra parecem correr para não perder um qualquer comboio, esta é uma leitura absolutamente magistral, fiel à herança do filme mas capaz de criar uma identidade própria.