sábado, novembro 14, 2009

Portugal, Bósnia e... Sydney Pollack

O futebol é, cada vez mais, um padrão de percepção televisiva, simbologia social e especulação filosófica — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 de Novembro), com o título 'Futebol e inteligência'.

1.
Que faz com que profissionais competentes utilizem a televisão de forma absurda? Eis um exemplo extremista. No jogo Dinamo de Kiev-Inter de Milão (SportTV, dia 4), os comentadores Miguel Prates e Nuno Dias alhearam-se sistematicamente dos lances, dissertaram sobre tudo e mais alguma coisa, repetindo vezes sem conta que a vantagem da equipa da casa (o Dinamo marcou aos 21 minutos) ilustrava as drásticas limitações da equipa treinada por José Mourinho. Falaram, falaram, falaram... sobrepondo-se a todos os sons do estádio (não escutar é uma lei televisiva que excede as transmissões de futebol). Subitamente, aos 86 minutos, Diego Milito empatou. Consequência? Aos 87, proclamava-se que as substituições efectuadas por Mourinho eram um primor táctico. Aos 89, Wesley Sneijder marcou o golo que deu a vitória ao Inter. E agora? Pois bem, estávamos a assistir a uma proeza de uma equipa extraordinária. De onde vem esta ideologia jornalística (?) que reduz tudo a uma filosofia maniqueísta de “causas” e “efeitos”? Já não há capacidade mental nem serenidade intelectual para lidar com os factos sem os transformar num destino banalmente fatalista? Ver e ouvir não é garantir ao espectador que o mundo faz sempre sentido. Às vezes, não faz. Qual é o problema?

2. No canal Hollywood, reencontro Os Três Dias do Condor (1975), de Sydney Pollack, com Robert Redford e Faye Dunaway. A intriga policial, vertiginosa, vive de longos diálogos ou, então, de espantosos momentos de escuta, espera e expectativa. De acordo com as regras televisivas, este é o protótipo do filme “lento”. Os espectadores foram programados para julgar que é preciso haver uma “explosão” de 30 em 30 segundos (como os gritos histéricos do público de alguns concursos) para que esteja a acontecer alguma coisa. Quem é responsável por tal deseducação estética?

3. Aproximam-se os dois jogos com a Bósnia que vão decidir se Portugal estará no Mundial de Futebol de 2010. Que vem aí? Uma vitória e uma nova avalancha de “patriotismo” demagógico e mercantilista? Uma derrota e a metódica aniquilação mediática de Carlos Queiroz? Será que ainda podemos esperar alguma manifestação de inteligência?