quinta-feira, outubro 29, 2009

Discos da semana, 26 de Outubro

Era uma vontade antiga, mas só a começámos a descobrir há um ano. Gravar um disco de piano… As gravações aconteceram finalmente em cinco dias de Dezembro de 2007, no Pequeno Auditório do CCB, com José Fortes do outro lado da mesa de gravação… Cinco dias intensos, entre dois pianos, não apenas concluindo a tempo e horas toda a agenda de trabalhos, sobrando ainda espaço para mais. E, no fim, quase três horas de música gravada. Na hora de optar, a decisão correcta: dividir a música em dois discos duplos, um a editar em 2008, o outro mais adiante. E esse “adiante” é, finalmente, agora. Solo II é por isso a conclusão directa de um díptico cuja primeira face escutámos há um ano. Juntando as Imperfeições 1 e 2 (assim tinham sido classificadas e “arrumadas” as peças gravadas), o disco assinalava o reencontro de António Pinho Vargas com uma importante etapa da sua obra, revelando contudo novas visões e caminhos num relacionamento a dois entre pianista e piano. O ponto de partida estava muitas vezes entre domínios à volta do jazz, mas a noção de fronteira de género surgia agora esbatida, a música transcendendo-a e vivendo por si, sem a necessidade de uma outra nomenclatura. Imperfeições ficaram. Porque o perfeito mora na matemática. E há por aqui ecos de melancolias e de toda uma soma de outras sensações (umas evocativas, umas descritivas, outras mais abstractas), que os números não poderão nunca traduzir. O novo disco (duplo) é portanto a natural parte dois desta mesma história da qual Solo I lançara primeiras pistas. Volta a percorrer composições de vários tempos (a mais antiga de 1976), juntando aos originais dois olhares sobre Que Amor Não Me Engana de José Afonso e The Times They Are A-Changing de Dylan e ainda uma improvisação (In Between T&O) captada durante as sessões. Não se ruma noutra direcção, mas completa-se o ciclo que Solo I começara a revelar. Agora, vivido este reencontro, fica o desafio, com vontade de ouvir mais: E a seguir?
António Pinho Vargas
“Solo II”

David Ferreira Investidas Editoriais
5 / 5
Para saber mais: MySpace


Os últimos meses têm sido palco para a estreia (ou confirmação) de uma série de interessantes figuras que, disco após disco, têm devolvido a expressão “pop” a um patamar de respeito e vivacidade que, sobretudo na era das boy e girl bands fabricadas a rigor e das cançonetas talhadas pelas mãos de produtores ao serviço de alvos no mercado, caminhava para as sub-caves do que de realmente interessante estava a acontecer. Nomes como os de Little Boots ou a dupla La Roux (aos quais não devemos deixar de juntar figuras como Roisin Murphy ou Robyn) representam a face no feminino desta nova geração que, sem perder em vista uma vontade de comunicar com o espectador pop mainstream, optam por seguir caminho ditado pelos seus interesses, e não apenas os das agendas de um qualquer plano mais centrado no ouvinte (ler mercado) que nas canções. Annie não é propriamente uma novata. Norueguesa, estreou-se com um single em 1999 e em 2004 lançou o seu álbum de estreia. Don’t Stop, o seu sucessor, levou contudo cinco anos a chegar à rua. O disco, numa primeira versão, estava já pronto e com ordem de edição há um ano, através de uma multinacional… O disto deu em não dito, novos meses de espera, umas faixas menos e outras mais, e a versão definitiva finalmente foi lançada, afinal pela pequena independente Smalltown Supersound. O disco é uma garrida colecção de 12 belíssimas canções pop, pelas quais passam colaboradores como Richard X, Alex Kapranos (sim, dos Franz Ferdinand) ou a equipa de produtores Xenomania. Alia uma certa sensibilidade indie e uma atenção pelas presentes dinâmicas da música de dança a uma escola pop certamente escutada em discos dos Pet Shop Boys, Madonna ou saint Etienne. Don’t Stop é um dos grandes discos de canções pop do ano. Nasce longe dos focos de agitação maisntream. Tem tudo para chamar as atenções de quem segue a pop alternativa. Mas não faltam aqui argumentos para mais altos voos…
Annie
“Don’t Stop”

Smalltown Supersound
4 / 5
Para ouvir: MySpace


Em meados dos anos 90 os Gus Gus eram frequentemente apontados como uma espécie de complemento directo a Björk quando em cena entrava uma vontade em falar da nova música que então chegava da Islândia, longe estava ainda a chegada de nomes como os dos Sigur Rós, Amina, Johan Johannsso, Apparat Organ Quartet e outros que entretanto chegaram a estas paragens mais a Sul… Chegaram a ser um vasto colectivo de figuras e ideias. Em meados de 90 eram uma dúzia de almas criativas, entre as quais militavam figuras hoje com obra a solo como Emiliana Torrini ou a dupla Arni & Kinski (em tempos a frente visual do grupo, que se dedicaram à realização vídeo a tempo inteiro)… Data dessa etapa o magnífico This Is Normal, lançado em 1999 pela 4AD, um dos mais interessantes discos de canções pop feitas sob ferramentas electrónicas em finais de 90. Com mutações de formação pelo caminho, os Gus Gus mantiveram-se activos, apesar de talvez menos visíveis na presente década. 24/7 assinala, com formação reduzida agora a um trio (voltando a integrar o vocalista Daníel Ágúst Haraldsson), a sua estreia no catálogo da Kompakt. Na essência, o disco traduz um passo natural no percurso de uma demanda que tem vindo a depurar elementos, em busca de um caminho que segue, à sua maneira, heranças da techno e da house. Austero, 24/7 reduz os elementos instrumentais a um minimalismo formal que em tudo se enquadra entre algumas das recentes propostas da editora pela qual agora respondem. O disco apresenta seis composições (algumas com partes distintas, como que propondo ideias de dois em um), uma delas em colaboração com Jimi Tenor, nem sempre procurando necessariamente a canção, entre todas porém brotando uma atitude de busca de espaços algures entre o desejo de experimentar e o pragmatismo que exige a música de dança. É um disco que se descobre aos poucos, e guarda a cereja para colocar sobre o bolo na recta final, ao som de Add This Song, mais um exemplo da interessante face pop que o grupo, por vezes, deixa revelar. Depois de alguns discos menos marcantes nos últimos anos, um bom regresso e em boa forma.
Gus Gus
“24/7”
Kompakt / Flur
4 / 5
Para ouvir: MySpace


Os discos são editados sob a designação The Mountain Goats, mas para todos os efeitos não são mais que a expressão da voz (e ideias) de John Darnielle, cantautor com berço na Carolina do Norte com carreira discográfica que remonta a inícios de 90. The Life Of The World To Come é já o seu décimo sexto álbum (há um décimo sétimo gravado, mas ainda hoje por editar), o sexto que lança desde que em 2002 se juntou ao catálogo da 4AD. Como em ocasiões anteriores, pode a banda que o acompanha mudar de formação, mantendo-se a música e as preocupações que reflecte fiéis a uma mesma forma de as pensar. Assim volta a acontecer num disco que leva o autor a uma expressão que quase poderíamos dizer conceptual na qual apresenta um conjunto de olhares e reflexões sobre os sentidos da fé num plano de confronto com os tempos em que vivemos e o mundo que nos rodeia. Em termos formais, a construção do disco procura pontos de partida para cada canção em versículos concretos da Bíblia. Pontos de partida que não se esgotam numa leitura directa dos ecos milenares que transportam, mas que John Darnielle toma para deles partir em busca de caminhos. Estas 12 pequenas viagens pessoais são essencialmente conduzidas por voz e guitarra, ocasionalmente o piano, aceitando a presença de arranjos que vão das cercanias alt-country a espaços de lirismo mais elaborado, cortesia em alguns casos de arranjos para cordas por Owen Pallett. Canções frágeis, pessoais, que assim partilham dúvidas e ideias.
The Mountain Goats
“The Life Of The World To Come”

4AD / Popstock
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Os Sunset Rubdown são um muito interessante fruto da vibrante vivência indie na Montreal dos nossos dias. A ideia nasceu de uma aventura a solo de Spencer Krug (dos Wolf Parade) mas rapidamente evoluiu para o formato de banda convocando outros músicos que ali encontraram igual caminho em paralelo face aos seus outros projectos. Há dois anos, o álbum Random Spirit Lover chamou atenções, pela colecção versátil de ideias que juntava num pequeno monumento que quase reencontrava afinidades com ecos do progressivo. Dois anos depois (e com um EP pelo caminho e mais um disco de Wolf Parade pelo meio), Dragonslayer revela a mesma ambição épica do álbum de 2007, embora procure arrumar as canções com outro primor na arte final. O alinhamento abre da melhor forma possível com Silver Moons, uma canção de travo grandioso na qual se evocam memórias de um Bowie na fase glam rock, com mais ou menos pitada de sinfonismo rock’n’roll à la Arcade Fire (que parece evidente, por exemplo, em Apollo and the Buffalo and Anna Anna Anna Oh!). O alinhamento mantém depois as canções no mesmo patamar de intensidade épica, nem sempre repetindo a inspiração que lhes deu a faixa de abertura. A voz de Kruger vinca personalidade, num registo que por vezes evoca a de uma esquecida estrela pop canadiana de 80 (Ivan Doroshuck, dos Men Without Hats). No fim, o disco não parece querer ir muito mais longe, mas mantém em boa forma o perfil da banda.
Sunset Rubdown
“Dragonslayer”

Jagjagwar / Popstock
3 / 5
Para ler as letras do álbum: Site Oficial


Também esta semana:
U2 (reedição), Flight Of The Conchords, Elbow (reedição), R.E.M. (live), Britney Spears (best of), Erasure (reedição), Luke Haines, Tegan and Sara, Michael Nyman + McAlmont

Brevemente:
2 de Novembro: Julian Casablancas, The Hidden Cameras, David Fonseca, Weezer, Nirvana (live),Frankie Goes To Hollywood (best of), Bryn Terfel, Rickie Lee Jones, World Party
9 de Novembro: The Killers (live), Martha Wainwright, Robbie Williams, Shirley Bassey,Tori Amos, The Doors (live), Rolling Stones (reedições)
16 de Novembro: Kraftwerk (caixa),Procol Harum (reedições), Stereophonics, Ryuichi Sakamoto, Soft Machine (live), Kitsouné – Vol 8, Groove Armada, M Pollini (Bach)

Novembro: Atlantic Records (antologia), Foo Fighters, The Cinematics, Spiritualized (reedição),
Dezembro: Echo & The Bunnymen (live), Rolling Stones (reedição), Joni Mitchell (reedições), Cluster

PS. O texto sobre António Pinho Vargas foi originalmente publicado na revista NS