Ainda há milagres em cinema. Como? Através desse poder mágico de alguns filmes confirmarem a existência do mundo à nossa volta, fazendo-nos ver também que o nosso olhar é sempre escasso, está sempre em situação de perda. Ne Change Rien, de Pedro Costa, é um desses filmes.
Ne Change Rien pode definir-se como um exercício de aproximação documental da actriz Jeanne Balibar (vimo-la, por exemplo, em Sabe-se Lá!, de Jacques Rivette). Pedro Costa regista momentos do seu trabalho musical, cantando, ensaiando, procurando as formas precisas para as suas canções. Dir-se-ia que estamos perante uma cerimónia de que o cinema é, de uma só vez, a testemunha, o mecanismo indutor e o altar. Ne Change Rien é um filme de pura maravilha: assistimos à duração das coisas, à respiração (literal e metafórica) que faz nascer as formas artísticas.
Face ao fulgor de Ne Change Rien, tudo o resto parece desvanecer-se numa pequenez sem recurso. O dia de sexta-feira trouxe, assim, duas bem intencionadas experiências, cada uma delas enredada no seu próprio esquematismo: Bright Star, de Jane Campion, evoca o poeta John Keats de acordo com as regras do telefilme de luxo; por sua vez, Ang Lee, no muito aguardado Taking Woodstock, evoca o festival de 1969 num tom de elegia "social" que tem tanto de maniqueísta como de caricatural.