quinta-feira, abril 30, 2009

Oliveira: singularidades, excentricidades

É uma ironia que vem a propósito. O cartaz inglês — produzido para a passagem no Festival de Berlim (em Fevereiro passado) — de Singularidades de uma Rapariga Loura é a demonstração simples de que a obra de Manoel de Oliveira tem uma vida para além das dicotomias simplistas que nos enredam entre cinema "autoral" e cinema "comercial" — essa obra existe, tem vida para além das nossas miseráveis guerras internas.
De facto, mais do que nunca, pertenceria à classe política — e às suas políticas culturais — assumir o que todos sabemos há décadas: que tal maniqueísmo só tem servido para agravar conflitos pessoais e institucionais no espaço multifacetado do cinema português, adiando toda e qualquer evolução no sentido de gerar estruturas mais sãs, mais estáveis e que dêem mais hipóteses de trabalho a mais pessoas.
São outras histórias? Sim, sem dúvida. Mas vale a pena lembrar que, se o cinema de Oliveira resiste e persiste, não é porque ele só tenha feito obras-primas, como também não é por causa da sua maravilhosa e respeitável idade. É antes porque Oliveira não abdica de pensar — e sentir, hélas! — o cinema como uma máquina de mara-vilha e espanto, de algumas certezas fulgurantes e muitas dúvidas fascinantes.
E a sua versão do conto de Eça de Queiroz é uma pequena pérola gerada por essa crença simples, mas radical, que leva a encarar o cinema como uma linguagem sempre em aberto. Por um lado, Oliveira transfere a acção para o nosso presente, instalando um delicioso curto-circuito de coincidências e anacronismos; por outro lado, filma o impulso amoroso como a suprema ilusão desta nossa arte muito humana de confundirmos o desejo com a realidade da coisa desejada. Singular ou excêntrico, como quiserem. Em todo o caso, a prova de que o cinema continua a valer a pena, não havendo nenhuma razão, nem artística nem económica, para se entregar à mediocridade reinante da televisão.

Obama: forma & conteúdo

Para marcar o 100º dia do seu mandato na Casa Branca (29 de Abril), o site oficial de Barack Obama oferece um video que segue a lógica corrente da divulgação dos discursos dos líderes políticos, mas com algumas pequenas diferenças — e, hoje em dia, mais do que nunca, é por essas pequenas diferenças que passa o essencial do jogo político.
Assim, temos não um discurso uno e unívoco, mas uma montagem de duas intervenções desse dia, uma em Arnold, Missouri, outra em Washington. A montagem em contraponto surge sustentada e, por assim dizer, resolvida através de um discreto, mas envolvente, tema musical de fundo — é outra forma de reproduzir o discurso político, é outro modelo de comunicação. Na prática, a máquina política de Obama aplica um valor clássico: a forma não é o "arranjo" dos conteúdos que se querem fazer, mas sim o primeiro desses conteúdos. Boa lição para suscitar reflexão em políticos e partidos de outros contextos.

Ainda do outro lado do mundo

São um quarteto de Melbourne e editaram localmente (leia-se apenas na Austrália) um primeiro EP em 2006. Pelo caminho fizeram primeiras partes para nomes como os Modest Mouse, Cold War Kids, Kasabian ou The Dears. Agora os Temper Trap preparam-se para lançar o seu primeiro álbum, Conditions, que deverá chegar às lojas em Junho. Para já apresentam-se com o single Science Of Fear. Aqui fica o teledisco.

Só eles três

Os No Age, Deerhunter e Dan Deacon anunciaram uma digressão conjunta para este Verão nos EUA. Vão não apenas partilhar as salas, mas inclusivamente o palco. Ou seja, vão ter todos os seus instrumentos instalados em cena, alternando actuações entre si. Parece boa ideia.

De volta...

Björk edita a 23 de Junho Voltaic, uma caixa com dois CD e dois DVD que junta gravações ao vivo, telediscos e remisturas da etapa Volta. Na verdade, Voltaic vai surgir em várias versões. Na mais simples das versões, apresenta-se um CD único, com uma gravação, nos Olympic Studios, em Londres, com a banda que acompanhou Björk na sua última digressão. Uma outra versão de Voltaic junta a este CD um DVD com momentos da digressão, captados em concertos em Paris e Reykjavik. Uma terceira versão junta ao CD e ao DVD ao vivo um segundo CD, com remisturas assinadas por nomes como Matthew Herbert, Ratatat ou Simian Mobile Disco e um segundo DVD com os telediscos de Volta (incluindo making ofs e o ‘top ten’ dos mais votados para Innocence). Haverá ainda duas outras versões de Voltaic, uma correspondendo ao conteúdo do CD ao vivo em vinil, outra somando aos dois CD e dois DVD três discos em vinil com os temas dos dois CD áudio… Para todos os gostos, portanto.

E os nomeados são...

Foi divulgada a shortlist de nomes candidatos para a edição 2009 do Turner Prize. São eles Roger Hiorns, Enrico David, Lucy Skaer e Richard Wright. Obras suas estarão em exposição na Tate Britain, em Londres, de 6 de Outubro a 16 de Janeiro de 2010. Aqui ficam imagens de alguns trabalhos seus:

Roger Hirons
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Enrico David
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Lucy Skaer
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Richard Wright

quarta-feira, abril 29, 2009

Scala: um coro da Bélgica

Estas são imagens de um magnífico teledisco [que se pode ver aqui em baixo]: chama-se Seashell e pertence aos Scala & Kolacny Brothers; a performance que o teledisco integra resulta de um trabalho com o pintor holandês Pim Smith.
Scala é um coro feminino belga dirigido por Stijn Kolacny, com o seu irmão Steven no piano. A sua projecção resultou de cinco álbuns (e muitos espectáculos) dominados por versões de temas do universo pop/rock e de gente tão diversa como os Garbage, Nirvana (têm uma magnífica interpretação de Smells Like Teen Spirit), Radiohead, The Police, Depeche Mode, U2, Rammstein, etc., etc. Agora, lançaram Paper Plane, registo com dez faixas todas compostas por Steven Kolacny — insolitamente, o tom geral do álbum parece mais pop do que muitas das suas experiências anteriores. No site da NPR é possível encontrar algumas informações sobre o coro e ouvir o tema que encerra o novo disco: Magic. De qualquer modo, pelo menos por enquanto, Paper Plane está disponível para download gratuito no próprio site dos Scala & Kolacny Brothers.

Viva Amália (hoje)!

Uns pés de senhora ou menina? Digamos, para simplificar, que será sempre uma fadista — é este o emblema iconográfico do projecto Amália Hoje, uma revisitação dos fados de Amália Rodrigues resultante da colaboração de Nuno Gonçalves e Sónia Tavares (The Gift), Fernando Ribeiro (Moonspell) e Paulo Praça (Plaza). Fiquemos, para já, com o teledisco de Gaivota, um magnífico exercício de reinvenção, sem revivalismos serôdios, demonstrando duas coisas: primeiro, que é possível (re)encontrar no fado as energias para novas experiências instrumentais; segundo, que a verdade dramática da voz de Sónia Tavares está cada vez mais cristalina e depurada.

Godard "made in USA"

A revista The Believer propõe uma viagem multifacetada pelo cinema: memórias, ensaios, entrevistas e... um DVD com algumas raridades sobre as visitas de Jean-Luc Godard aos EUA, nos anos 60/70 — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 de Abril), com o título 'A vida do cinema e a sua morte'.

Chegou recentemente ao mercado português a edição de Março/Abril da revista norte-americana, The Believer. Sediada em São Francisco, The Believer é uma publicação vocacionada para a literatura, mas com uma enorme abertura temática e especulativa para todos os domínios artísticos e suas multifacetadas implicações políticas e culturais.
Este número tem como tema aglutinador o cinema (“The 2009 Film Issue”) e inclui um precioso DVD que regista várias presenças de Jean-Luc Godard nos EUA. Temos, assim, a possibilidade de conhecer três filmes até agora com escassa divulgação: Two American Audiences (1968), de Mark Woodcock, sobre o encontro de Godard com estudantes da Universidade de Nova Iorque, em 1968, tendo como referência próxima o seu filme La Chinoise; Godard in America (1970), de Ralph Tranhauser, documentando uma viagem feita na companhia de Jean-Pierre Gorin, na altura aliado no chamado ‘Grupo Dziga Vertov’; A Weekend at the Beach with Jean-Luc Godard (1979), de Ira Schneider, pequeno home movie sobre um fim de semana numa praia de San Diego, na companhia de personalidades do mundo do cinema, incluindo Tom Luddy e Wim Wenders, e ainda do dramaturgo e encenador Heiner Müller. O DVD inclui também uma edição de 1980 do programa de televisão The Dick Cavett Show, quando Godard foi entrevistado [foto em cima] a pretexto do lançamento do filme Salve-se Quem Puder (nos EUA chamado Every Man for Himself).
A abordagem do cinema que encontramos em The Believer é tanto mais estimulante quanto dispensa qualquer dependência em relação aos calendários promocionais da actualidade, propondo antes um ziguezague temático entre novidades e memórias mais ou menos primitivas. Assim, por exemplo, encontramos neste número um artigo de Aaron Cutler evocando o cinema “documental” de Jonas Mekas [foto], um ensaio de Victoria Nelson sobre os filmes de Guillermo del Toro e uma deambulação de Michael Atkinson através do insólito e fascinante universo dos cartazes de filmes (de todo o mundo) feitos por artistas polacos. Há ainda um magnífico lote de entrevistas com diversas personalidades, incluindo Mike Leigh, Sam Mendes e Julie Delpy.
O artigo que, por assim dizer, condensa a atitude de The Believer face ao cinema contemporâneo (ou à contemporaneidade do cinema) serve de abertura à edição e tem assinatura do realizador C. S. Leigh. O respectivo título tem tanto de desconcertante como sugestivo: “Contemplando a nova fisicalidade do cinema”. A palavra fisicalidade, ausente de muitos dicionários, é uma bela maneira para descrever este presente eufórico, mas angustiado, em que parecemos estar a abandonar as formas tradicionais de consumo dos filmes, privilegiando novos suportes e diferentes formatos.
Ou seja: o triunfo do DVD e de toda a panóplia digital faz-se também à custa de uma decomposição cruel, porventura irreversível, dos valores clássicos de consumo nas salas escuras. No limite, C. S. Leigh faz-nos sentir o paradoxo vivo do presente: o de celebrarmos todos os poderes do cinema, ao mesmo tempo que a sua dimensão mais clássica parece condenada. Para compreendermos tal estado de coisas, ele cita alguns nomes de cineastas emblemáticos, incluindo o francês Michel Gondry, o americano Paul Thomas Anderson e o português Pedro Costa [foto].

Do outro lado do mundo

Os neo-zelandeses Ruby Suns têm mais um teledisco criado a partir de uma canção do álbum de 2008 The Sea Lion. A escolha recaiu sobre There Are Birds, uma das melhores canções do disco, que assim serve agora de banda sonora a um pequeno filme com sabor a cinema mudo.

E o álbum chama-se... album

Os Wilco resolveram chamar ao seu novo álbum, simplesmente, Wilco (The Album). O disco será editado em Junho pela Nonesuch e conta com uma colaboração com Feist.

terça-feira, abril 28, 2009

Histórias da Internet

O título é, no mínimo, sugestivo: Downloading Nancy apresenta-se como a história dramática de uma mulher (Maria Bello) que abandona o marido (Rufus Sewell) para visitar um homem (Jason Patric) que conheceu através da Internet — acaba por pedir-lhe que ele a mate. Alguns críticos americanos apontaram-no como o melhor filme do Festival de Sundance, em 2008, mas mesmo nos EUA só no próximo mês de Junho será estreado. A realização é do sueco Johan Renck, músico (sob o nome Stakka Bo) e notabilíssimo realizador de telediscos — são dele, por exemplo, os fabulosos Nothing Really Matters, de Madonna, e She's Madonna, de Robbie Williams. Este é o trailer de Downloading Nancy, para já ausente das listas de distribuidores portugueses.

EUA: estado a estado

É mais um exemplo do sentido prático e pedagógico da utilização da Internet pelo Presidente dos EUA. Assim, no seu site, Barack Obama passou a ter uma página com um mapa do país que remete para alguns dados estatísticos: através da simples passagem do rato sobre a zona de cada estado federado, temos acesso a números de: empregos até agora preservados ou criados, trabalhadores a receber apoio, crianças que passaram a ter cuidados regulares de saúde e estudantes com bolsas. É uma maneira directa e eficaz de lembrar que, para além de todas as crises e inquietações, o país mexe e tenta construir o seu futuro. Nenhum milagre — apenas a serena recusa do catastrofismo quotidiano de muitas formas televisivas e da sua prática de (des)informação.

Bruce Davidson revisto por Bob Dylan





Estas são imagens de Brooklyn Gang, um portfolio de 1959 — mais tarde um livro — do fotógrafo Bruce Davidson, da agência Magnum. A quarta a contar de cima serve de capa ao novo álbum de Bob Dylan, Together Through Life, ontem lançado na Europa (hoje nos EUA). Na Amazon, podemos encontrar um teledisco de uma das novas canções de Dylan, Beyond Here Lies Nothin', feito a partir das imagens de Davidson — o texto que se segue foi publicado no Diário de Notícias (27 de Abril), com o título 'Memórias de rebeldes sem causa'.

A história criativa de Bob Dylan é indissociável da história iconográfica do seu país. Não tem por isso nada de acidental, muito menos de “decorativo”, que a capa do álbum Together Through Life seja feita com uma imagem que tem o estatuto de referência clássica. Mais exactamente: a fotografia de Bruce Davidson integra um portfolio, intitulado Brooklyn Gang, que é um trabalho clássico na história da fotografia americana da segunda metade do século XX.
Nascido em 1933, David-son é um dos nomes emblemáticos da gera-ção de ouro da agência Magnum, a par de Elliott Erwitt, Philip Jones Grif-fiths ou Josef Koudelka. A série Brooklyn Gang data do mesmo ano em que ele foi oficialmente reconhecido como mem-bro da Magnum: 1959. Motivado pelo que tinha lido sobre os novos gangs novaiorquinos, Davidson conseguiu, através de um assistente social, estabelecer contacto com “The Jokers”, um gang de Brooklyn. Aceite pelos seus membros (era pouco mais velho que a maioria deles), teve a possibilidade de os fotografar nas ruas, cafés e alguns espaços privados, testemu-nhando uma ambiência paradoxal: esta é uma juventude que, pela pose e pelo visual, exibe a sua rebeldia, ao mesmo tempo que se expõe num labirinto de cansaço moral e desencanto existencial.
Pode dizer-se que Davidson apanhou os sentimentos contraditórios de um tempo novo, simbolicamente inaugurado pela imagem de James Dean no filme de Nicholas Ray, Rebel Without a Cause/Fúria de Viver (1955). Assim como o filme de Ray era um retrato do esgotamento dos valores tradicionais do espaço familiar, as fotografias de Brooklyn Gang dão-nos a ver personagens de uma nova juventude, simultaneamente mais distante da clássica mitologia nacional e mais tocada por uma angústia sem nome. Afinal de contas, desta conjuntura existencial iriam nascer muitas das ilusões e desilusões da década de 60. Que Dylan recupere agora estes sinais, eis o que talvez envolva uma mensagem subliminar: a de atravessarmos outro tempo de decomposição dos ideais românticos.

Jason e os amigos

Jason Quever está de regresso aos discos com mais um álbum de Papercuts. A banda na realidade não existe como uma entidade permanente, resultando os discos e concertos do trabalho de Jason com alguns amigos seus, muitos deles residindo bem longe da Califórnia, onde mora. O álbum tem por título You Can Have What You Want. E como aperitivo aqui fica o teledisco para Future Primitive.

Banda sonora a caminho

A banda sonora do filme de carlos Cuarón Rudo Y Cursi (que estreou no inicio do ano em Sundance) vai ser editada em CD no início de Junho. O disco conta com contribuições de Devendra Banhart, Black Lips e Juana Molina, entre outros.

Mais um "caso" político

Há poucos dias o Governador do Oklahoma resolveu, com final feliz, um “caso” com os Flaming Lips. Agora foi a vez da UMP (o partido no poder em França) chegar a idêntico ponto final num outro “caso”, este envolvendo os MGMT. O partido tinha usado o tema Kids, em comícios, sem autorização. E na hora de fazer as contas, propôs ao representante local da banda uma soma meramente simbólica. O duo norte-americano rapidamente fez público o seu descontentamento, vincando o facto de ser o presidente francês um dos líderes mundiais mais activos em acções contra a pirataria, posição que parecia estranha perante o sucedido… Agora chegaram a um acordo, pagando o partido francês uma soma a que chegaram depois de diálogo. E no seu site oficial o grupo já revelou que o dinheiro irá para uma organização que luta pelos direitos dos artistas. No texto que publicam frisam que podiam ter simplesmente “sido americanos típicos” e ter processado o partido francês, com todos os benefícios e “casacos de chinchila” que as somas envolvidas poderiam ter gerado. Optaram por outra saída. Ficaram satisfeitos. E terminam a agradecer à França pela boa comida.

Em busca de um... Tony

Passa hoje, no Indie Lisboa (repetindo depois a 1 de Maio), o filme do chileno Pablo Larraín Tony Manero. O nome é o mesmo da figura que John Travolta imortalizou no clássico A Febre de Sábado À Noite. O cenário, contudo, é diferente do que o filme-referência da era do disco sound nos mostrava. Estamos no Chile, em finais dos anos 70, cruzando o filme um contexto traçado em pleno regime de Pinochet com a história de um concurso televisivo para descobrir o Tony Manero local.

segunda-feira, abril 27, 2009

Madonna "comme à la maison"

O blog New Madonna Music continua a coleccionar raridades do universo da Material Girl, desde imagens raras de algumas sessões fotográficas até registos de palco, remisturas, etc. Agora, podemos encontrar um notável mini-concerto, realizado em Paris por ocasião do lançamento do álbum American Life. Aconteceu a 7 de Maio de 2003, num cenário emblemático da rue du Faubourg St. Honoré — o restaurante La Cantine du Faubourg —, perante uma assistência que incluía Jean-Baptiste Mondino e Jean-Paul Gaultier.
Os que, face àquele álbum, acreditaram que se pressentia uma Madonna quase a solo, quase acústica, encontram aqui a ilustração exemplar de tal hipótese. E de forma absolutamente fulgurante. Para além da sua evidente boa disposição — celebrando a França como um país em que "quand je suis ici, je suis comme à la maison" —, Madonna canta com a admirável desenvoltura de quem se vai permitindo dialogar (directamente, entenda-se) com alguns elementos da entusiástica assistência, tecendo mesmo algumas considerações pouco ortodoxas sobre os homens, em geral, e Jesus Cristo, em particular.
Na pequena banda estão alguns dos músicos que trabalharam no álbum, incluindo Mirwais e Stuart Price. A gravação inclui American Life, a abrir, seguido de mais quatro temas do álbum: Hollywood, Nothing Fails, X-Static Process e Mother and Father; a conclusão faz-se com duas espantosas versões de Like a Virgin e Don't Tell Me — está tudo disponível para download no New Madonna Music.

7 x Anne Sofie von Otter (2)

Enquanto aguardamos o lançamento do novo Bach de Anne Sofie von Otter (com cantatas e árias), sugerimos uma breve deambulação pela sua dis-cografia, celebrando a delicada sofisticação e os espantosos contrastes da mezzo-soprano sueca.

[1]

Como muitos artistas alemães que abandonaram o seu país para escapar às perseguições nazis, Kurt Weill (1900-1950) acabou por ser autor de um corpo de música que, por assim dizer, foi integrando os sentimentos dos lugares por onde passou (Paris, Londres, Nova Iorque), sem alienar as componentes primordiais das suas raízes. A selecção proposta por Anne Sofie data de 1995 e começa pelos obrigatórios Sete Pecados Mortais, o "ballet cantado" com libretto de Bertolt Brecht, passando por preciosidades como Nanna's Lied, desembocando em três temas do musical One Touch of Venus (estreado na Broadway, em 1943), com letras de Ogden Nash — são eles: Foolish Heart, Speak Low e, por fim, o sublime I'm a Stranger Here Myself. O resultado conserva, como uma espécie de subtexto vocal, uma permanente tentação pelo ambiente tradicional de cabaret, sublinhando, afinal, o carácter paradoxal da escrita de Weill: o sentido da parábola política ou o gosto da metáfora existencial coexistem sempre com os sobressaltos de uma calculada ironia, tanto mais aguda nos seus efeitos quanto mais delicada nas suas formas. Se, na discografia da cantora, há um primeiro disco que prenuncia todas as formas de contaminação entre "alta" e "baixa" cultura, é este, sem dúvida.

>>> KURT WEILL, Speak Low.

No espelho de Van Damme

Jean-Claude Van Damme, cidadão belga nascido em 1960, regressa ao seu país para tentar recuperar a identidade que, segundo ele, perdeu enquanto herói de "filmes-de-acção" (nos EUA) — um exercício que se anuncia artificioso, mas confessional, num jogo de espelhos filmado por Mabrouk El Mechri.
Mesmo desconhecendo o filme [cuja estreia comercial está agendada para 16 de Julho], é inevitável fazermos ironia — ironia por simpatia, entenda-se. De facto, não é preciso recuar muito no tempo para lembrarmos que, em termos de exibição cinematográfica (para mais num festival), seria totalmente impossível qualquer tipo de aproximação entre as lógicas do "cinema independente" e modelos de produção protagonizados por figuras como Jean-Claude Van Damme. Agora, deparamos com um filme sobre o mesmo Van Damme num contexto tão codificado como não pode deixar de ser um certame que usa o rótulo indie. Na prática, isto significa que as tensões entre "alta" e "baixa" cultura estão, de facto, mais atenuadas do que nunca — na melhor das hipóteses, podem favorecer uma visão aberta e descomplexada das formas artísticas; na pior, geram discursos sem memória nem respeito pela vida dessas mesmas formas (discursos de que, obviamente, algumas práticas jornalísticas não estão isentas). Dito isto, só resta desejar que esta nova faceta de Van Damme na primeira pessoa seja, de algum modo, motivadora. Pourquoi pas?

>>> INDIE LISBOA: hoje, 19h00, Cinema São Jorge.

Do cinema para a pop

Vem de Brooklyn (Nova Iorque), mas hoje reside em França, dividindo o trabalho entre a composição de música para cinema e teatro e uma carreira como cantora que nos deu já um álbum. Com educação clássica e um interesse por várias formas da cultura pop, Dana Boulé revela afinidades com a obra de referência de uma Kate Bush. Aqui fica um momento de Going, Gone. Este é Go Away, um dos singles extraídos do álbum, com teledisco rodado já em França e assinado por Adrianne Jorge.

Ao vivo e em versões

Os The Killers têm dois novos projectos em mãos. Um deles é um DVD ao vivo, que deverá ser editado ainda este ano. O segundo será um disco de versões que deverá contar, entre outras, com novas leituras para originais dos Bright Eyes, Cyndi Lauper e Murray Head (na verdade deste último estão a trabalhar uma versão de One Night In Bankok, do musical Chess, que tem por autores nada mais nada menos que os ex-AbItálicoba Benny Andersson e Björn Ulvaeus.

Kandinsky em Paris

Einige Kreise, 1926

'Kandinsky' é uma das grandes exposições do ano, patente no Centre Pompidou, em Paris, até 10 de Agosto. Obras-chave do “inventor da abstracção” constituem a retrospectiva que segue depois para o Museu Guggenheim de Nova Iorque. Vassili Kandinsky (1866-1944) tinha 30 anos quando lhe ofereceram um lugar como professor numa universidade na Estónia. Um ano antes tinha visto uma exposição de pintores impressionistas franceses, mudando-se para a Alemanha, onde estudou pintura. A exposição recorda o percurso de descoberta de uma linguagem, afastando-se progressivamente dos modelos de partida, rumando no sentido da abstracção.

Remake para 'Videodrome'

A Universal deu luz verde a um remake do “clássico” Videodrome, de David Cronenberg. O filme de 1983 que tem a televisão (e a procura de novas “soluções” de programação) como ponto de partida e que cruza linguagens da ficção científica e do thriller, vai ter o argumento original de Cronenberg rescrito por Ethel Krueger. Segundo a Variety, que avança a notícia, não se sabe ainda se o realizador canadiano terá algum papel neste remake. Cronenberg entretanto prepara a produção de The Matarese Circle, que terá Tom Cruise e Denzel Washington no elenco.

E agora em documentário

Os Depeche Mode editam a 16 de Junho um documentário em DVD. Com o título The Dark Progression, o filme propõe um percurso pela carreira da banda, incluindo depoimentos de nomes como, entre outros, Gary Numan, Thomas Dolby ou o produtor Gareth Jones.

domingo, abril 26, 2009

O último conto de J. G. Ballard

Passaram-se três anos desde o colapso da Torre de Pisa, mas só agora consigo reconhecer o papel crucial que desempenhei na destruição deste símbolo único — assim começa The Dying Fall, der-radeiro conto escrito por J. G. Ballard (falecido a 19 de Abril), um admirável exercício de crueldade poética para tempos de roman-tismo exangue. Podemos lê-lo nas páginas do jornal inglês The Guardian.

Nome: Dede Allen

Entre os nomes que mais contribuiram para a instauração da idade moderna do cinema americano, Dede Allen é um dos mais decisivos: as suas técnicas de montagem, nomeadamente em filmes de Arthur Penn e Sidney Lumet, abriram portas para novas e surpreendentes formas narrativas. É dela a montagem do recente Um Segredo Muito Nosso, de Dennis Lee — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 de Abril).

Nascida em 1925, em Cleveland, Ohio, Dede Allen reaparece na actualidade através do filme Um Segredo Muito Nosso. Alguns dos seus trabalhos de montagem transformaram-na numa personalidade marcante na história do moderno cinema americano, em particular no modo como contribuiu para repensar as regras tradicionais da narrativa e, mais especificamente, da ligação entre imagens (e sons).
Só nos decisivos anos 60, Dede Allen assinou a montagem de títulos como A Vida É um Jogo, de Robert Rossen, América, América, de Elia Kazan, e Bonnie e Clyde [foto em baixo], de Arthur Penn. Os dois primeiros filmes em que colaborou com Sidney Lumet, Serpico (1973) e Um Dia de Cão (1975), podem servir de modelo exemplar da sua dupla estratégia, por um lado alterando a linearidade temporal da narrativa, por outro lado criando novos conceitos de encenação dos gestos humanos e, obviamente, do trabalho dos actores. Ironicamente, Dede Allen é uma das personalidades de Hollywood que nunca teve um Oscar; a Associação de Montadores dos EUA consagrou-a, em 1994, com um prémio de carreira.

Aldina: a voz em filme

No seu espaço dedicado a cinema & música, o Indie Lisboa revela hoje Aldina Duarte: Princesa Prometida, um documentário de Manuel Mozos elaborado a partir de uma ideia de Maria João Seixas.
Nas muitas convulsões que têm agitado o "re-nascimento" do fado, Aldina Duarte permanece como uma voz que não transige com "moderni-zações" feitas em nome da suposta necessidade de conquistar novos ouvintes/espectadores. E o que conta nesta postura não é apenas o valor moral da intransigência: é também — é mesmo sobretudo — a noção primordial de que o fado pressupõe a irredutibilidade de uma voz que, na sua singularidade, dir-se-ia no seu egoísmo, desenha toda a paisagem circundante (impondo, inclusive, a terna submissão dos instrumentos aos desígnios dessa voz). Nesta perspectiva, pode dizer-se que Aldina revaloriza a noção de que o fado nasce de um jogo ambivalente, necessariamente perverso, entre a sinceridade do canto e a teatralidade da sua exposição. O fado Princesa Prometida, que empresta o título ao documentário, é um excelente exemplo de tal dinâmica criativa.

>>> INDIE LISBOA: hoje, 21h45, Cinema São Jorge.

Obama: cem dias em imagens

O site da revista Time apresenta um espantoso portfolio de 77 imagens que documentam os cem primeiros dias da presidência de Barack Obama. As fotografias, de Callie Shell, mostram cenas de bastidores, desde reuniões e almoços de trabalho a ocasiões informais em espaços da Casa Branca, no Air Force One ou em viagem. A edição em papel da revista apresenta, além de uma selecção destas imagens, uma interessante reflexão de Joe Klein sobre estes primeiros cem dias de Obama, que descreve como o início de presidência “mais impressionante” desde F. D. Roosevelt.

Ver o portfolio aqui.

Música de dança

Em 1986 Philip Glass compôs música para um espectáculo da companhia de bailado de Twyla Tharp. Com o título In The Upper Room, o bailado, em nove segmentos, usou durante anos (inclusivamente quando passou por Lisboa, no Grande Auditório da Gulbenkian) o som de uma gravação da qual apenas alguns excertos foram depois integrados no álbum Dance Pieces (1987). Continuando uma política de edição regular de obras de Philip Glass, a Orange Mountain Music (ou seja, a sua própria editora), apresenta agora, e pela primeira vez, a versão integral da música criada para este bailado de 1986. Contudo, e ao invés de outros lançamentos recentes da editora, com base em gravações de arquivo, Philip Glass optou pela regravação de In The Upper Room (uma das mais marcantes das suas obras para bailado), abdicando dos sintetizadores (usados no registo original), apostando apenas num ensemble acústico e uma voz, tal e qual na partitura original até aqui nunca gravada. O disco abre-nos agora uma janela para uma memória importante da obra de Glass em meados de 80, trazendo finalmente a disco, 23 anos depois de concebida, uma peça simplesmente magnífica.


Outros lançamentos:
Continuando a falar de Philip Glass, outro novo lançamento através da Orange Mountain Music prepara, para já pelo som, a chegada ao DVD do documentário de Scott Hicks Glass: A Portrait Of Philip In Twelve Parts. Trata-se da banda sonora deste filme, um disco que necessariamente vive sobretudo de uma selecção feita a partir de gravações já conhecidas, nomeadamente retiradas de obras e discos como, entre outros, Einstein On The Beach, Etoile Polaire, Etudes For Piano, The Thin Blue Libne, The Orphee Suite For Piano, Glassworks ou a Sinfonia nº 8. A grande novidade corresponde a uma gravação ao vivo de Metamorphosis No. 2, efectuada pelo próprio realizador para servir uma sequência do documentário e que aqui conhece a sua versão áudio. O digpack, relativamente simples, inclui ainda alguns fotogramas deste documentário, nascido de 18 meses de relação próxima de Scott Hicks com o compositor.


A Missa é uma das mais importantes e emblemáticas obras de Leonard Bernstein (1918-1990) conciliando num mesmo espaço uma série de reflexões sobre matérias da fé (que frequentemente marcaram presença em várias outras obras do compositor) e um leque aberto e deszfiante de referências musicais, da tradição do musical ao jazz, das heranças dos fundadores de uma identidade “clássica” americana ao gospel, sem colocar de lado pontuais contactos com a canção popular. Criada para a inauguração do Kennedy Cntre, em 1971, a Missa teve uma primeira gravação pelo próprio Bernstein e uma segunda, recentemente, sob direcção de Kent Nagano. Uma nova visita a esta obra maior da música americana do século XX surge numa soberba gravação pela austríaca Tonkünstler Orchester, dirigida por Kristjan Närvi (ed. Chandos). O maestro, natural da Estónia, foi já descrito pelo New York Times como “uma força cinética no palco, como se um Bernstein renascido”. A gravação desta Missa confirma em pleno as afinidades.

A IMAGEM: Edvard Munch, 1899-1900

Edvard Munch
A Dança da Vida
1899-1900

sábado, abril 25, 2009

7 x Anne Sofie von Otter (1)

Enquanto aguardamos o lançamento do novo Bach de Anne Sofie von Otter (com cantatas e árias), sugerimos uma breve deambulação pela sua dis-cografia, celebrando a delicada sofisticação e os espantosos contrastes da mezzo-soprano sueca.

As canções do norueguês Edvard Grieg (1843-1907) correspondem, como é óbvio, a algo de visceral no património cultural e artístico de Anne Sofie. Esta colecção de canções — abrindo com o espantoso ciclo Hautgussa (Op. 67) — testemunha, de uma só vez, a importância do seu trabalho no período romântico e a ligação criativa com a tradição popular. A selecção inclui ainda, por exemplo, En Svane, tema das chamadas "Canções de Ibsen" (Op. 25), e uma das Canções Infantis (Op. 61). Além do mais, este registo, lançado em 1993, é um dos muitos que ilustra a fundamental colaboração com o pianista Bengt Forsberg, presente nas mais variadas gravações (e concertos) da cantora.

>>> EDVARD GRIEG, Lieder Songs.

Herzog na Austrália

Where the Green Ants Dream (título original: Wo Die Grünen Ameisen Träumen) é uma coprodução entre Alemanha e Austrália que Werner Herzog realizou em 1984. No seu centro está um herói tipicamente "herzoguiano": um geólogo empregado por uma companhia mineira que, através do seu trabalho, depara com a singular energia da terra e dos seus elementos naturais — em jogo está um local sagrado para os aborígenes.
Mesmo considerando que não será dos filmes de Herzog que consiga o equilíbrio ideal entre os meios de produção e a ambição criativa do próprio projecto, por ele perpassa essa questão essencial: a de uma natureza que, para além de todas as intervenções humanas, permanece como uma espécie de entidade fantasmática, ora acolhedora, ora cruel. Nos prémios do cinema alemão referentes a 1984, o filme foi eleito o melhor do ano, valendo também a distinção de melhor fotografia a Jörg Schmidt-Reitwein — o trabalho iconográfico, aliás, pode servir de sintoma da dimensão documental que todo o cinema de Herzog conserva, mesmo quando aposta em registos ficcionais com actores. Where the Green Ants Dream passa no Indie, na secção retrospectiva 'Herói independente'.

>>> INDIE LISBOA: hoje, 22h00, Forum Lisboa.