domingo, fevereiro 01, 2009

Histórias de Nova Iorque

A odisseia do escultor francês Frédéric Auguste Bartholdi e da estátua que se tornou símbolo da liberdade; a vida de Fiorello La Guardia, filho de italianos que enfrentou os políticos corruptos da cidade e acabou eleito mayor; as histórias de sucesso improvável de dois outros filhos de emigrantes (Irving Berlin e George Gershwin) que "inventaram" a música americana; a sombria passagem de Edgar Allan Poe pela cidade; a face humana das fortunas de Andrew Carnegie e Henry Clay Frick... Todos eles figuras que ajudaram a escrever a história de Nova Iorque, uma metrópole que cedo assimilou uma identidade híbrida e da soma dos diferentes fez nascer uma cidade ainda hoje sem igual. Vidas e lugares que Corrado Augias recorda em Os Segredos de Nova Iorque, livro recentemente publicado entre nós.

Jornalista e escritor, o italiano Corrado Augias já tinha lançado, pela Cavalo de Ferro, idêntico olhar pelas gentes e locais-chave na história de Roma, estando ainda por traduzir uma outra colecção de histórias sobre as figuras e espaços da cidade de Londres. Em Os Segredos de Nova Iorque recupera sobretudo histórias de finais do século XIX e da primeira metade do século XX. Estamos, portanto, longe dos dias em que os holandeses compraram Manhattan aos índios, e já em plena construção da "cidade que nunca dorme" que hoje conhecemos. Ao contrário das pequenas narrativas sobre anónimos publicadas pelo norte-americano Joseph Mitchell muitas delas assinadas nos anos 30 e 40 e, portanto, contemporâneas de algumas destas vidas, as memórias evocadas neste livro procuram antes as figuras que inscreveram o nome na história da cidade. Muitas delas tendo em comum uma origem humilde, em grande parte dos casos com pais ou avós com memórias de dias vividos em barcos através do Atlântico, com passagem inevitável pelo "funil" de selecção que durante anos foi o centro de triagem em Elis Island.

Foi precisamente em Elis Island que Fiorello La Guardia (na imagem) trabalhou como intérprete nos dias de juventude, com o salário pagando então os estudos. A ilha acaba por ser um porto comum a muitas das vidas aqui evocadas. Corrado Augias cita o francês Georges Perec, que descreveu Elis Island como "uma espécie de fábrica de confeccionar americanos". Especificando: "De um lado enfiava-se um irlandês ou um judeu ucraniano ou um italiano da Apúlia e do outro - depois da vacinação, desinfestação, exame aos olhos e aos bolsos - saía um americano novinho em folha." Por ali muitos conheciam novo nome, americanizado. E no livro o autor lembra um velho judeu russo a quem aconselham a escolher um nome americano antes de falar com os funcionários da imigração. Pede ajuda. Dizem-lhe: "Rockefeller..." Mas na hora de falar, esquece-se e confessa em iídiche schon vergessen (esqueci-me). E, prontamente, o funcionário da emigração escreve: John Ferguson...

PS. Versão editada de um texto publicado no DN a 5 de Janeiro