quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Em conversa: Johann Jóhansson (3/3)

Concluimos hoje a publicação de uma entrevista com o islandês Johann Jóhansson, que serviu de base a um artigo publicado no suplemento DN Gente a 6 de Fevereiro.

Os seus discos mais recentes revelam o que parece ser uma curiosidade pessoal pela história da tecnologia. IBM 1401, A User’s Manual (2006) sobre um computador. O novo Fordlandia sobre automóveis...
Este é um projecto muito pessoal, de facto. O IBM 1401, A User’s Manual foi baseado em gravações que o meu pai fez em inícios dos anos 70. Senti que havia ali muito material sobre o qual poderia trabalhar. O Fordlandia não nasceu pensado para seguir naquele sentido, mas acabou de evoluir assim.

Em IBM 1401, A User’s Manual sentia-se a presença referencial de Górecki. É outro nome de peso entre os nomes que o ajudaram a definir como músico?
Gorecki foi para mim uma influência enorme, sobretudo em inícios dos anos 90... Gosto de compositores mais conceptuais como, por exemplo, um Gavin Bryars, que também apontaria como uma referência importante em mim. Sinto-me mais influenciado por este tipo de compositores que pelos nomes mais ligados a uma música de vanguarda mais académica. O livro de Michael Nyman [Experimental Music: Cage and Beyond] que li há alguns anos teve também uma enorme influência em mim. De um lado descobri John Cage e os que descendem das suas ideias, muito ligados às artes visuais. E de um outro os que, como um Stockhausen, têm um relacionamento mais académico com a música que, basicamente, são como uma continuação directa do romantismo. Eu estarei um pouco em ambos os lados... Sinto a presença dessa herança clássica. Gosto de Mahler, de Beethoven, de Schubert. Mas os meus métodos estão talvez mais ligados à música experimental.

Imagina-se a compor uma sinfonia?
Não tenho qualquer interesse em trabalhar essas formas antigas. A sinfonia é uma forma bem anterior ao século XX e não tem qualquer relevância no que estou a fazer. Há elementos que me interessam, mas a estrutura e a forma não me atraem. O seu sentido de forma vem de outro lugar. O que procuro nestes trabalhos são mais os materiais e as texturas. As formas musicais têm a ver com as convenções do seu tempo, com as necessidades da orquestra e do público. E com quem as encomenda.

Como islandês como escutou as primeiras notícias da crise económica em que o país vive?
Todos vão sentir um pouco a crise. Não apenas na Islândia mas na Europa inteira. A música já vive uma crise de quebra de vendas há alguns anos. As pessoas quase não compram música e fazer digressões tornou-se cada vez mais importante para poder ganhar dinheiro. Mas o problema na Islândia tornou-se ainda mais grave. Mas hoje não vivo na Islândia, por isso não tenho essa experiência directa. Vivo em Copenhaga, mas sigo as notícias...

Mas tem lá família e trabalho...
Sim, vou lá várias vezes. Trabalho muito com músicos islandeses. E sinto que a situação está difícil. Penso que há muitas possibilidades para a criação de uma nova sociedade perante esta que está à beira do colapso. É preciso começar de novo.

E qual pode ser aí o papel do músico?
É muito importante. A arte, a literatura, as canções, a poesia, resistiram na Islândia ao longo de grandes períodos na história. As artes já enfrentaram pior que isto. Mas mantivémos a nossa identidade cultural, a nossa língua. E uma personalidade forte. A música é uma fundação muito sólida para edificar o que quer que seja. Um mau clima no quotidiano é sempre uma boa altura para as artes. Esta é uma boa altura para a criação artística.