domingo, novembro 09, 2008

Long live portuguese cinema!

Para onde vai o cinema português? A acreditar no filme Arte de Roubar, tem um destino... falado em inglês — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 de Novembro) com o título 'Made in Portugal'.

Não é fácil lidar com este filme, a não ser perguntando-lhe: porquê? Porquê fazer um filme português, no ano da graça de 2008, falado em... inglês?
Não é uma questão “nacional” que está em jogo. Poderá mesmo responder-se: por que não? Claro, por que não... Se muitas bandas rock cantam em inglês, por que não fazer um filme nessa língua? A questão é de outra natureza. Tem a ver com a lógica cinematográfica daquilo que se propõe ao espectador. E o que é que se propõe ao espectador? Uma espécie de digest de um certo modelo Tarantino (aliás, banalizado pelo próprio em À Prova de Morte), de formalismo tão exuberante quanto vazio. A história deste roubo mais ou menos rocambolesco, com um par de ladrões que são a versão grosseira da sua própria caricatura, acaba por ser o mais preguiçoso dos filmes “intelectuais”. De facto, não se trata de brincar com os códigos do cinema de aventuras, mas de pedir ao espectador que imagine a possibilidade desses códigos se decomporem através do seu próprio excesso formal. É certo que Sergio Leone fez isso com o western, mas foi há 40 anos, Leone tinha uma visão ultra-complexa da relação com a cultura made in USA e, convenhamos, não é fácil estar à altura da sua herança.
Arte de Roubar possui o fôlego exangue de uma tese universitária, académica e demonstrativa, disfarçada de “cinema popular”. Aliás, retroactivamente, o filme consegue a proeza (simpática, sem dúvida) de desmascarar todos os discursos que, noutros tempos, insultaram um autor como Manoel de Oliveira por filmar em francês. Acontece que, goste-se mais ou goste-se menos, Oliveira fez filmes sobre a palavra (teatral) francesa ou que, para todos os efeitos, eram ficções com personagens e lugares estrangeiros. Que é como quem diz: em tais casos, a pluralidade das línguas nascia do próprio trabalho dramatúrgico.
No caso de Arte de Roubar, trata-se de fabricar um fingimento estético que nem sequer demonstra qualquer atenção às eventuais emoções das suas personagens. Na melhor das hipóteses, o filme consegue reproduzir o look paródico de alguns anúncios de bebidas alcoólicas que exploram os clichés do submundo (o que não leva a lado nenhum). Para além disso, não havendo nada de vivo para representar, é penoso assistir ao beco sem saída para que são empurrados os actores, incluindo profissionais tão talentosos como Ivo Canelas ou Soraia Chaves.