quinta-feira, outubro 16, 2008

Em conversa: Ry Cooder (2/3)

Continuamos a publicação de uma entrevista com Ry Cooder, que serviu de base a um artigo sobre o Buena Vista Social Club publicado a 12 de Outubro no DN.

O projecto Buena Vista Social Club foi uma história completamente inesperada. Foi para cuba gravar artistas africanos. E subitamente tinha em estúdio cubanos de 90 anos que ninguém conhecia...
Conhecia-os eu! Já lá tinha estado nos anos 70 com a minha mulher. Não pudemos então ficar, mas senti que tinha de chegar àquela gente. Tinha de regressar... Era a última oportunidade para ver aqueles mestres que tocavam aquela música de uma forma tão bela. Houve então aquela ideia de fazer uma gravação com músicos africanos. E lá fomos. Mas o projecto mudou de direcção e começámos a juntar uma série de músicos. Estavam vivos e com o saber e a força para levar a ideia adiante.

Conseguiu gravar Ruben Gonzales, pouco antes deste morrer...
É verdade! Era fantástico... Era o tipo de pessoas certas. Veja-se o Compay Segundo... Era um homem do século XIX com aquele conhecimento de outro tempo... Ninguém poderia prever que teria um dia discos com projecção internacional.

Liga um certo desconhecimento geral da música cubana , antes de toda esta aventura a razões políticas?
Não o diria. O que acontece é que os estilos mudam e as pessoas mudam. No mundo contemporâneo as pessoas interessam-se pelo que existe e não pelo que existiu. Por isso, a menos que se seja um melómano, ninguém ouviu falar de um Arsenio Rodriguez ou todos aqueles músicos antigos... Muitos são esquecidos rapidamente. Mas depois chegaram os discos. E é essa a magia dos discos. Se não houvesse discos, nada disto restaria. Mas na era em que vivemos, até a rádio vive deste consumismo superficial. Tudo tem de ser constantemente substituído. E a música é hoje como um ingrediente para modos de vida.

Uma banda sonora?
Sim, para vender jeans e telemóveis. Não existe mais a mesma relação com o disco.

Como assim?
Todos sabíamos que a indústria discográfica era uma coisa para durar cem anos. Foi maravilhosa, todos gostavam dela. Mas desapareceu.

E para onde vai a música?
Dizemos que a música segue em frente... Mas para onde? Em que meios? Muita da música que conhecemos hoje foi feita para ser gravada. Mas a música de um Bach ou um Beethoven, que não gravavam nos seus tempos, acabou também preservada em disco. Mas a música clássica morreu. É pena... Não se especular sobre o que se vai seguir... O que posso dizer é que este concerto do Buena Vista Social Club no Carnegie Hall é o último que vão ouvir naquele registo. Ter aqueles mestres, naquele palco, num clima quase espiritual, é uma experiência que não vejo que se possa repetir.

Essa é uma das justificações para a edição deste disco?
Sem dúvida que é. O magnífico som será outra!

Trabalhar com aqueles músicos cubanos, em estúdios dos anos 50, foi como viajar no tempo?
Foi, sim. Mas Cuba é como uma viagem no tempo. É claro que não está em boa forma, e não glorifico o estado das coisas. Mas, vindo eu de Los Angeles, gosto de ver uma sociedade onde o o passado está ali, vivo e real. Mas desde que estive em Cuba, há dez anos, outras músicas modernas populares, como o reggaeton, tornaram-se muito populares. Ou seja, não teremos outro Compay Segundo ou outro Ruben Gonzalez. Por muito que o queiramos, não vamos ver mais destes músicos.

São uma espécie em vias de extinção?
São uma realidade morta... Não podemos voltar atrás. Mas há uns dez anos, vivemos aquela experiência maravilhosa, absolutamente interessante, de convívio com aquela gente. Estar com eles, sair com eles... Adorei! Fiz quatro discos, o Nick Gold fez mais... Foi um bom trabalho.
(conclui amanhã)