Como fazer um filme de guerra transformado em comédia sobre o próprio acto de... fazer um filme de guerra? Dilema porventura sem solução, mas que Ben Stiller enfrenta, com evidente boa disposição, em Tempestade Tropical — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 de Setembro), com o título 'Hollywood contra Hollywood'.Há uma linha simbólica que vem desde os tempos heróicos de O Homem da Manivela/The Cameraman (1928), de Buster Keaton [ver clip em baixo], passa por O Crepúsculo dos Deuses/Sunset Boulevard (1950), de Billy Wilder, reemerge em O Último Magnate/The Last Tycoon (1976), de Elia Kazan, e desemboca neste filme que agora nos ocupa: Tempestade Tropical/Tropic Thunder, de Ben Stiller.
Sem ofensa para Stiller e o seu humor cáustico, há que dizer que Tempestade Tropical não aguenta qualquer tipo de comparação com a subtileza temática e a excelência formal dos exemplos citados (sendo mesmo um deles, o de Keaton, um momento chave na grande tradição cómica do cinema americano). Seja como for, se os podemos alinhar de modo sugestivo, isso decorre de uma atitude cruel, por vezes perversamente masoquista, inerente à história de Hollywood. Que é como quem diz: há na grande indústria cinematográfica uma capacidade de gerar objectos de insólito narcisismo, objectos que a expõem como uma espécie de enorme caldeirão de desastres e incompetências que, apesar de tudo, ainda vai oferecendo ao mundo essas coisas bizarras a que damos o nome de... filmes!É pena que Stiller se vá perdendo no seu próprio jogo, afinal satisfazendo as regras do mais banal “filme de acção” (que, ao mesmo tempo, tenta desmontar). Em todo o caso, Tempestade Tropical deixa uma personagem que, por certo, vai entrar no património caricatural de Hollywood: é o produtor Les Grossman, figura de todos os excessos e paranóias, uma espécie de pesadelo cinéfilo transfigurado em monstro de carne e osso. Que seja um fabuloso e transfigurado Tom Cruise (muito gordo e careca) a interpretá-lo, eis o que diz bem das ambivalências do entertainment e também dos seus paradoxais prazeres. Num mundo perfeito, o Oscar de melhor actor secundário iria direitinho para ele.
>>> Estes são os minutos de abertura de The Cameraman (1928).