domingo, agosto 31, 2008
Voltaire, segundo Bernstein
Clássicos do século XX - 1
"Candide", de Leonard Bernstein
1956 (versão definitiva de 1989)
Nova série de posts começa hoje no Sound + Vision, recuperando algumas obras-chave e grandes figuras da música do século XX. Primeira referência com o sublime Candide, de Leonard Bernstein, que se recomenda na versão “definitiva” de 1989, em gravação premiada pela Deutsche Grammophon, dirigida pelo próprio compositor, frente à London Symphony Orchestra, contando com as vozes de, entre outros, Jerry Hadley, June Anderson, Adolph Green, Christa Ludwig e Nicolai Gedda. Há uma edição (de 2004) com “preço reduzido” do CD duplo desta gravação, incluída na série Awards Collection, da Deutsche Grammophon.
Leonard Bernstein (1918-1990) era já um maestro aclamado e um compositor reconhecido quando, em 1956, apresentou Candide, um novo “musical” em Nova Iorque, baseado no texto homónimo de Voltaire... O teatro musical estava já longe de representar uma novidade na sua obra que, na altura, somava já os musicais On The Town (1944) e Wonderful Town (1953) e a ópera Trouble In Tahiti (1952). Candide, contudo, revelou-se, a principio, um caso um tanto complicado... Com libreto original de Lilian Hellman criticado como demasiado sério perante não apenas o texto original de Voltaire mas também a música de Bernstein, Candide dividiu opiniões aquando da sua estreia na Broadway. Apesar da opinião menos favorável de muitas críticas, a música de Candide revelou uma vez mais as capacidades de cruzamento de linguagens (e de comunicação) de Bernstein, tendo a Abertura sido tocada por mais de cem orquestras no ano seguinte...
Foram contudo precisos 33 anos e várias revisões (convocando muitas delas novas contribuições na reescrita do libreto), para que Bernstein encontrasse a desejada “versão definitiva” de Candide. O tom satírico do texto de Voltaire, inicialmente publicado em 1759 (e desde logo proibido em cidades como Paris ou Genebra e acrescentado ao índex do Vaticano), encontrou a adaptação mais fiel à sua identidade, ao mesmo tempo revelando o melhor de Bernstein como compositor atento às realidades sociais e políticas do seu tempo, não faltando citação subliminar aos “trabalhos” da comissão do senador McCarthy numa cena que tem a Lisboa pós-terramoto de 1755 por cenário.
A versão de 1989, que aceita adendas ao texto por figuras que vão de Stephen Sondheim e Dorothy Parker ao próprio Bernstein e à sua mulher Felícia, conheceu primeira gravação em Londres, em Dezembro de 1989, sob direcção do próprio Bernstein (com o mesmo elenco usado numa apresentação pública da qual nasceu a recente edição de um DVD). O carácter operático da revisão “definitiva” da obra levantou debate sobre como a definir, se opereta, se ópera, se ópera cómica... Na verdade é tudo isso, com tempero de sátira e melodrama, como sublinharia a crítica, claramente favorável, publicada em 1992 na Gramophone. Desde então houve já quatro produções internacionais de Candide, uma delas (na foto) assinalando em 2006, no Theatre do Chatelet em Paris, e depois no La Scala de Milão, os 50 anos da estreia da versão original na Broadway.
Excerto da leitura “definitiva” de Candide, na já referida apresentação ao vivo (em versão de concerto) em Londres, em 1989. Note-se o carácter informal da apresentação, na qual o tom de humor da obra musical é aceite pelo maestro e cantores em intervenções extra-programa. Aqui vemos Adolph Green lendo parte da narração, seguindo-se breve (hilariante) explicação por Bernstein sobre as origens de uma das menos “canónicas” rimas do libreto de Candide... Christa Ludwig canta, depois, o célebre I Am Easy Assimilated.