sábado, agosto 23, 2008

Ópera baseada em '1984' chega ao DVD

Poucos livros de ficção científica tiveram um impacte na cultura popular do século XX como 1984, o último romance de George Orwell, originalmente publicado em 1949. Retrato aterrador de vidas sob o jugo de um regime totalitário que mantinha os seus cidadãos "informados" por constantes comunicados de propaganda e, ao mesmo tempo, subjugados por sistemas de vigilância permanentes, 1984 foi tomado como referência para filmes, canções e até mesmo um formato de reality show televisivo, adoptando este o nome que Orwell criou para o líder do seu mundo distópico: o Big Brother...
Em 1974, David Bowie tentou criar uma primeira abordagem musical ao mundo e personagens do 1984 de Orwell. Porém, desencantada com a primeira adaptação do romance ao cinema (em 1956, com realização de Michael Anderson), a viúva do escritor não autorizou a adaptação. Apesar de ter já algumas canções escritas, o musical ficou na gaveta. Mas da ideia nasceria o álbum Diamong Dogs. Em 2005, coube ao maestro e compositor Lorin Maazel o desafio de transformar o romance de Orwell num espectáculo musical. Com libreto de J. D. McClatchy e Thomas Meehan, 1984 (a ópera) estreou-se em Londres, na Royal Opera House, em Maio de 2005. Maazel, que contava já 75 anos (e 50 de carreira) quando aceitou finalmente o desafio de compor 1984.

Maazel encontrou preciosa colaboração no realizador de cinema canadiano Robert Lepage, nome já com experiência na ópera tendo assinado, entre outras, as direcções artísticas de O Castelo de Barba Azul de Bartók ou A Danação de Fausto de Berlioz. Com um elenco onde se destacam o barítono Simon Keenlyside (no papel protagonista de Winston Smith), o tenor Richard Margison (como o vilão O'Brien), o soprano Nancy Gustafson (como Julia) e a voz de Jeremy Irons na leitura, em off, dos comunicados de propaganda, a ópera é um monumento de música e imagens. A encenação explora a omnipresença do olhar do Big Brother sobre um espaço opressivo pós-industrial, sombrio e intimidante. A espantosa música de Maazel, por sua vez, sublinha o fosso que separa o discurso oficial do poder, forte e implacável, que esmaga as vozes e sonhos do indivíduo. A Royal Opera House esgotou a lotação enquanto a produção esteve em cena. E o mesmo aconteceu, pouco depois, quando passou pelo palco do La Scala, em Milão. Agora, 1984 chega a DVD em imagens captadas em Covent Garden em 2005, num filme realizado por Brian Large. Como extra, uma contextualização da história.

No texto que acompanha o DVD, Lorin Maazel relata como a sua ópera nasceu de uma profunda admiração pelo texto de Orwell. O compositor confessa-se admirado pelo "génio" do escritor, mas também pelo carácter contemporâneo das temáticas sociais que o romance levanta. O tom de denúncia que o livro veicula, nomeadamente quando foca o subjugar do indivíduo perante uma ideologia e um poder absoluto, é claramente central na ópera que nasce da sua fiel adaptação. Das palavras, Maazel captou atmosferas que transformou em música, que, 59 anos depois, mantém vivo o "horror" de 1984. Originalmente publicado em 1949, o livro teve também já vida no pequeno e grande ecrãs. Uma primeira adaptação ao cinema em 1956 por Michael Anderson e uma segunda versão, para TV, em 1965, por Christopher Morahan, horrorizaram a viúva de Orwell. Já depois da sua morte, Michael Radford apresentou (em 1984) uma terceira e magnífica adaptação, com os principais papéis entregues a John Hurt e Richard Burton, com banda sonora assinada pelos Eurythmics.
PS. Versão editada de dois textos publicados no DN