quarta-feira, agosto 06, 2008

John Lennon: o último dia (3)

Em tempo de estreia nacional do filme Capítulo 27 – O Assassinato de John Lennon, continuamos a apresentar a versão editada de um texto publicado em 2005 no DNmúsica que relata o último dia do ex-Beatle.

Mark Chapman só encontrou Lennon a 8 de Dezembro, mas a meio da tarde mais não conseguiu que lhe pedir um autógrafo. Dias antes tinha já encenado uma das situações de À Espera No Centeio (tradução para português, pela Difel, de The Catcher In The Rhye), de JD Salinger, livro que o assombrava e conduzia na demente missão de morte. Convocou uma prostituta ao quarto, mas não fez mais que pedir uma massagem e algumas horas de conversa. Os seus demónios dominavam-no agora mais que nunca, e o livro pedia-lhe que não recuasse. Na manhã de dia 8 deixa o quarto do hotel como se de uma exposição de intenções se tratasse, arrumando, numa pequena instalação, uma foto de Judy Garland no Feiticeiro de Oz, uma cassete com canções de Todd Rundgren e um 'Novo Testamento', aberto no 'Evangelho Segundo S. João', título à frente do qual rabiscou, à mão: " Lennon "...
Lennon teve uma boa tarde de trabalho no estúdio. Walking On Thin Ice ganhou forma. E David Geffen apareceu para informar que o disco tinha chegado ao Ouro em Inglaterra. Eram dez e meia da noite quando Lennon fala com o técnico e põe fim à sessão. Ele e Yoko pensaram em comer no Stage Deli, perto dos teatros, mas acabaram por resolver rumar a casa, onde o filho Sean, de cinco anos, os esperava, acompanhado pela mulher do assistente pessoal de Lennon.

10.52 da noite... John saiu da limousine carregado de cassetes com as gravações do dia. Num serão invulgarmente ameno, a rua estava quase deserta. John passava já sob o arco da entrada quando uma figura sai da sombra e o chama. Aponta a pistola e dispara cinco tiros, os dois primeiros dos quais o apanham nas costas e fazem dar uma pirueta. As cassetes voam pelo ar. A sangrar, Lennon sobe os seis degraus para a casa do porteiro, que o tapa com o casaco, aconchega. Um taxista, que passava, chama a polícia. Yoko segura a sua cabeça nos braços e grita. Os dois agentes mais próximos chegam em pouco tempo e avançam para o porteiro. E é então que o ascensorista aponta a Chapman, que ali tinha ficado imóvel, novamente entregue às páginas do seu livro "mentor", que minutos antes sentiu que lhe gritara ordem para matar. Chapman diz ter dois homens dentro de si, um grande e um pequeno. Este último sendo o que premiu o gatilho. O revólver e a sua cópia autografada do álbum, atirados para o lado ali perto são encontrados. Na sua bolsa, dois mil dólares. Chapman, logo preso e depois condenado (e ainda hoje encarcerado) limita-se a pedir: "fiquem comigo"...

Sem ambulância por perto, Lennon segue para o St Luke's Rosevelt Hospital num carro de polícia, um agente ao seu lado a garantir a sua atenção com pequenas perguntas. "Tenho dores", diz... Yoko segue atrás, noutro carro da NYPD. Chegado ao hospital é submetido a uma cirurgia de urgência. Mas tinha já perdido 80 por cento do seu sangue e nada mais havia a fazer. Às 11.07 é dado como morto. Yoko informada oito minutos depois. Incrédula delira e pergunta se está a dormir... Uma hora depois a notícia já correu mundo e uma multidão de cinco mil pessoas cerca o Dakota. Yoko entra pelas traseiras, fecha-se no quarto, mas não é poupada aos sons que chegam da rua. Canta-se Imagine e Give Peace A Chance. Tocam cassetes de Lennon. Pela noite fora.
De manhã a casa é invadida por flores. E chegam as primeiras ameaças de mais morte e bombas. Três fãs devastados suicidam-se. E Yoko rompe o silêncio, pedindo que não se matem mais... Pede uma vigília de silêncio e desce à rua com Sean, ao lugar onde o pai foi morto. Julian, filho do primeiro casamento, apanha um avião para Nova Iorque, apesar da insistência da mãe, Cynthia, primeira mulher de Lennon, que lhe pede que se poupe ao pesadelo que vai encontrar. Lennon estava morto. Mas logo houve quem começasse a fazer tudo para o manter vivo. Pela música. Pelo exemplo. E também pelo lucro...
(continua amanhã)